Numa entrada para um universo cheio de glitches, com paredes derretidas e com uma colmeia de fuzz, Disastroid chega pesado para expor, generosamente, a idiotice dos seres mortais, a chamar pela indignação apática com brutalidade instrumental.
Os suspeitos do costume – Enver Koneya, Travis Williams e Braden McGraw –, que não se trancavam num estúdio de gravação juntos desde Screen, em 2017, fabricaram cautelosamente um disco que se conseguiu fazer sentir mais pesado, mas não prepotentemente dark. Mortal Fools é o primeiro álbum da banda lançado através da Heavy Psych Sounds, e está aqui para o retorno de tudo a que temos direito: doom, stoner, sludge, noise rock dos 90’s e o punk espalhados pelo álbum conforme a lei da progressão e do experimentalismo dita.
Falar sobre as letras é perceber que o que está a ser dito pode ver-se abafado ao longo da escuta do álbum. A autoridade da voz tende a sobrepor-se às letras que quase se tornam difíceis de entender. Mas como a voz e o instrumental partilham da mesma carga emocional, as intenções não se perdem. E estão com raiva de quê? Compreensível e relacionavelmente, com a simplicidade horizontal da rotina, a dependência devastadora e persistente da tecnologia, o inevitável processo de envelhecimento, as injustiças sociais, todos aqueles estímulos de crises em que evitamos pensar são abordados com lucidez e humor. São cuspidos pela voz de Enver Koneya, com uma raiva amarga crucial que surge como animalesca e instigadora, a forçar a ideia de que está na hora de nos enervarmos com a ideia de que não há nada a fazer. Por outras palavras, as sensações causadas pela voz e o apoio das letras são algo que rapidamente se torna em purificação, vinda da exibição de frustração sem limar arestas.
Dá porrada desde o início, com “8hr parking”, onde a assertividade bouncy do baixo, a bateria acelerada a estalar, e os freakouts na guitarra abrem espaço para a reação cutânea que aí vem. Logo aqui há um exemplo do quão criativos conseguiram ser com os tempos neste disco. O monstro em si é composto por estruturas ambiciosas, numa experiência multidimensional de mistura e combinação de influências que se torna desorientadora e fascinante, sem que esses atributos se excluam mutuamente. “Reset” traça exatamente o mesmo tipo de premissa. Entretanto, músicas como “Insect Mind” abrem uma brecha para a contemplação, a mergulhar num psych expansivo entregue em toques cuidadosos, após uma introdução cauterizante e imprudente que não deu tempo para apanhar o ritmo. Este intervalo acontece sem aviso prévio, enquanto no background se faz ouvir um murmurar estremecido, que nos deixa perceber que é mesmo só uma pausazinha. É aqui que se esfola contra o grito de guerra tenso e seco de Koneya, ao lado da enorme e dramática bateria de McGraw.
O mesmo acontece em “The Crewser”, onde há um break para as guitarras crescerem e a voz melódica se deixar planar. Levamos um soco no maxilar e o instrumental engrossa para voltar à abrasividade com que começou. Músicas como “Deep Well” e “Space Rodent”, com o baixo denso de Travis Williams a ter um papel importante na criação da tensão com vontade de ser libertada, estas desenvolvem a própria força gravitacional corpulenta de músculo sónico.
Ao falar sobre como as músicas se desdobram numa rede de temáticas sonoras, tem de ficar claro o quão orgânico é o percurso deste álbum, onde está tudo muito bem compactado e tão perfeitamente colado. Mortal Fools é maçudo, não há como ficar à espera de mais, não há abertura para sugestões de melhoria. Sobre aquela que é a generalizada expressão emocional deste disco, está sempre a meio ou à beira de um esgotamento, num jogo entre o volumoso e hostil vs. o (semi)polido e pacifista. Sendo este álbum um corpo, estaria a meio de uma convulsão permanente, a torcer-se, a tremer e a enrolar-se sobre si mesmo, mas de alguma forma a divertir-se com isso.