Depois de dois EPs bastante promissores, os Dry Cleaning lançaram finalmente o seu primeiro álbum de estúdio. E dizemos finalmente pois a espera já se fazia longa. É que este quarteto britânico capta as atenções pela sua dose certa do uso de um punk rock que já se conhece pela singularidade na entrega de Florence Shaw, a vocalista que parece que mastiga detalhadamente todos os seus pensamentos e os oferece numa bandeja de forma única. Após o vislumbre do que é esta banda nas “amostras” lançadas em 2019, Sweet Princess e Boundary Road Snacks and Drinks, New Long Leg chega em abril deste ano, não desiludindo nem por um segundo.
O que destaca os Dry Cleaning acaba mesmo por ser a sua carismática vocalista. Não é surpresa aparecerem bandas de punk rock com capacidades líricas fortes e a quase declamação de uma música não é novidade, mas aqui é-nos dada a oportunidade de ouvir o que se assemelha a entradas num diário, em que existe a transformação de um quotidiano banal num ato transcendental. Até mesmo de pensamentos aleatórios de uma eterna conversa consigo própria. Aqui existem histórias e a abertura a traços de personalidade e opiniões. Além disso, a entrega destas letras é feita com tal neutralidade e de forma tão simples e direta que o tom de voz soa a um sarcasmo cómico. Por exemplo, em amostras abstratas como “Someone pissed on my leg in the big Sainsbury’s/ If you’re an Aries/ Then I’m an Aries” nota-se uma abordagem de uma comediante.
No caso da faixa título do disco, existe muita informação a ser dissecada de uma vez, em que ora surgem fases de pura aleatoriedade (“I think of myself as a hardy banana / With that waxy surface and the small delicate flowers / A woman in aviators firing a bazooka”) como logo depois vemos momentos de clareza (“I've come here to make a ceramic shoe / And I've come to smash what you made / I've come to learn how to mingle / I've come to learn how to dance / I've come to join the knitting circle”). Ou seja, há uma necessidade de mostrar vulnerabilidade numa loucura aparente, para depois atirar-nos com temas como o papel da mulher, de expectativas quanto a envelhecer, cuidar, tratar, agir ou como falhar.
Ao longo de todo o disco, sente-se uma confiança profunda no que está a ser feito e é-nos apresentado um mundo muito próprio com lugares, comidas, rotinas ou até conselhos como “Never talk about your ex, never never never never, never slag them off because then they know.” E, com certeza, já faltava algo inovador como esta performance tão slam-poetry-featuring-stand-up-comedy. Em termos de produção, nota-se uma melhoria desde os anteriores EPs. Agora a cargo de John Parish, que já produziu nomes como PJ Harvey ou Aldous Harding, New Long Leg tem um som mais afiado, como se Dry Cleaning já fosse uma foto onde foi aumentado o contraste ao máximo, sem demasiada saturação. Para além de Shaw, a banda é composta por Nick Buxton (bateria), Lewis Maynard (baixo) e Tom Dowse (guitarra). E a parte mais interessante é como o instrumental surpreende a cada faixa. Existe uma mistura de técnicas que, juntas, nos dão a perceção de que a banda se reinventa em cada música, mesmo sem ser feito nada extremamente novo nesse campo.
O único desejo agora é tirar as dúvidas sobre se o que já é cativante se tornará hipnótico ao vivo. A música final, “Every Day Carry”, tem grande possibilidade de atingir esse efeito, principalmente no seu solo desconcertante, estilo Sonic Youth mas mais sombrio, e quando Shaw parece falar diretamente connosco: “I just want to put something positive into the world / But it's hard because I'm so full of poisonous rage.” Mas para ver isso em ação ainda falta esperar mais um pouco. Ficamo-nos por este álbum que junta o noise todo à nossa volta e nos convida a olhar para tudo uma e outra vez.