Elliot Moss é um artista na verdadeira aceção da palavra. É criativo, inovador, sensível e nebuloso. Tudo combinado, poderia antever-se um posicionamento de sucesso. Porém, não é necessariamente o caso. Elliot é um mistério por resolver no universo da música independente. É que não obstante o seu talento, Elliot permanece subestimado, recolhido às quatro paredes do seu quarto em Nova Iorque, de onde parece que nos canta, sempre numa atmosfera intrigante, mas reconfortante. Ambígua, mas relacionável.
Em 2013, com apenas 19 anos, lançou o seu primeiro álbum Highspeeds, de onde saiu uma obra distinta: a faixa “Slip”. Em 2017, surge Boomerang, com registos incríveis como “Without the Lights” e “99”. E, em 2020, apresenta agora A Change in Diet.
Cada um destes álbuns aparece como um caderno de esboços do artista, onde se registam ideias com potenciais infinitos e se experimentam conjugações novas. O multi-instrumentista Elliot é um cientista no universo da música, e um dos seus traços mais distintivos é precisamente o facto de recorrer a conciliações de géneros improváveis que nas suas mãos ganham pleno sentido e fluidez.
A música do artista é um verdadeiro caderno aberto para o seu estado emocional. Porém, as suas perturbações são exprimidas de forma extremamente despretensiosa e natural. Elliot não dramatiza, não exagera, não rumina em demasia. Diria que o enigma de Elliot reside no facto de a sua música não ser necessariamente impactante a uma primeira audição. É preciso deixar maturar e entrar no espírito certo. Aí posso garantir que a experiência é incrível.
Porém, há neste álbum algumas faixas que o artista não consegue transpor para além do caderno de esboços, para as quais não encontra uma correspondência plena na realidade e, por isso, ganham apenas meia-forma. Será o caso de “Off by One” e“Silver + Gold”. O artista dá aqui alguns indícios de verdadeira genialidade, introduz partes com um potencial tremendo; no entanto, não chega a conseguir explorá-las na totalidade, e acaba por recolher-se sobre si próprio, voltando a cantar para dentro das quatro paredes do seu quarto.
Mas, talvez, resida aí a sua intenção: a representação dos altos e baixos constantes – a caminhar de mãos dadas –, os rasgos de alegria rapidamente abafados pelo acordar sobressaltado das memórias mais obscuras. A batalha entre a claridade e a escuridão.
Não deixa de fazer sentido, se considerarmos até que a faixa de apresentação do álbum – “Barricade” –, lançada em outubro transato, inicialmente era suposto chamar-se “Golden Dark”. E tanto poder que é vertido nesta sábia conjugação de duas palavras diametralmente opostas.
Em todo o álbum reconhece-se uma textura irregular. Ainda assim, todas as músicas estão curiosamente envolvidas numa rítmica leve e fluída, às quais se adicionam efeitos synth, falsetos e batidas de eletrónica esparsas e escassas, para produzirem uma mistura delicada de emoção crua e catarse pessoal, conseguida com muito custo.
A faixa “Smile in the Rain” revela, precisamente, que o artista se está a redescobrir porque, quase repentinamente, saímos de um registo mais eletrónico para entrar num registo indie, de onde sobressai a guitarra acústica e um tom de voz muito mais grave. É uma música bastante branda, mas a voz e talento de Elliot combinam igualmente bem com este registo.
No decurso de A Change in Diet a referência à mudança é constante, uma vez que a mudança é, em si mesma, constante, inevitável. Elliot é exposto a um período de tormento em que as suas próprias constantes se desassossegam, porém, o artista reconhece o quão impactante a mudança pode ser. Por vezes libertadora, por vezes insuportável, mas sempre necessária. A mudança gera questionamento, gera descoberta, gera sabedoria e, eventualmente, paz. As poeiras deixam de cegar e passam apenas a poisar sobre nós. Até que invariavelmente novos ventos de mudança as soltam. Permanecer no mesmo lugar será sempre muito mais assustador (“I could go anywhere I dream I might go / I know that train / So how do I end up in the same place?”). O reconhecimento da necessidade de mudança já é, por si só, uma mudança. E o caminho só é possível tendo por base este ponto de partida.
A faixa “In the Same Place” merece especial destaque. Reconhece-se aqui uma voz mais presente, mais consciente, e uma letra poética. “Where are we going today? (…) We wait for rain, yes we wait for rain”, num reconhecimento objetivo de que a dor é inevitável, depois de Elliot se ter debatido com uma depressão, no seguimento do término de um relacionamento de quase uma década.
Elliot não nega a sua dor (“That’s a hell of an aftertaste (…) Oh you'd kill / To forget this place / And all the reasons you came”), contudo é muito claro na faixa final, “A Change in Diner”, a sua perfeita consciencialização quanto à necessidade de ser fiel aos seus sentimentos, de os viver inteiramente, na sua dor, na sua intensidade e persistência (“Every goddamn phrase replayed / Years of doubt given pride of place”), até que, um dia, sem esforço, te permites simplesmente fechar o capítulo. “Close your eyes, close your eyes / Close the doors, close the doors”. Por entre acordes dispersos e uma voz esperançosa, em crescendo, por entre sons mais agudizados, semi-quebradiços, espirituais e contemplativos, despedimo-nos, na certeza da nossa capacidade humana de adaptação interna e de que estamos sempre prontos para enfrentar a chuva.