“e ao anoitecer adquires o nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas o corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia”
Al Berto, O Livro dos Regressos / O Medo
É com todo o prazer que se apresenta a review, em parceria com a nossa querida Lore Magazine, do primeiro disco colaborativo entre a Emma Ruth Rundle e os Thou. Os nossos parceiros, por sua vez, brindaram-nos com uma extensa entrevista com Andy Gibbs, dos Thou, onde surgiram tópicos acerca da origem e desenvolvimento da colaboração com a Emma, a visão artística da banda e muito mais. No final da nossa intervenção está ao vosso dispor um excerto dessa conversa, ficando o convite para acederem à entrevista completa no site da Lore – a conferir aqui.
Duas das vezes que testemunhámos o poderio dos Thou foi com projetos de colaboração. O primeiro, no Roadburn 2018, foi ao lado de The Body – performance que valeu uma mão cheia de pesos pesados do You, Whom I Have Always Hated, bem como uma carrada de brindes em forma de covers de uns tais Nine Inch Nails, Born Against, Shellac e muito mais. O segundo deu-se exatamente um ano depois, no Roadburn 2019, no mesmo Koepelhal, desta vez ao lado de Emma Ruth Rundle. A apresentação seria uma colaboração exclusivamente desenhada para uma das quatro intervenções sob Artist In Residence dos Thou. A reação do público foi arrebatadora. Um acontecimento que faz todo o sentido pois, quer queiramos quer não, o festival holandês tem-se resguardado como um dos solos mais apropriados para a estimulação criativa de muitas das forças artísticas do underground atual. Já são inúmeras as peças que foram especialmente desenhadas para o Roadburn e que tiveram triunfo suficiente para prolongar a sua afirmação além do catálogo das respetivas bandas e do próprio concerto. Neste caso, a coisa parece ser mais desafiante do que parece, uma vez que durante mais de uma década estes dois têm vindo a explorar e a redefinir os limites e parâmetros da música pesada.
Thou, como uma real força da natureza, têm-se aventurado ao longo de uma vastíssima discografia no namoro do peso absurdo do sludge/doom, com a emoção nostálgica do grunge e alt-rock dos anos 90, sem nunca deixar de promover uma narrativa de empoderamento humanitário e social. Emma Ruth Rundle, quer com o seu trabalho recente a solo ou com as passadas bandas como Marriages, Red Sparowes ou The Nocturnes, tem vindo a tornar-se numa das mais subvalorizadas forças criativas da sua geração. Um ano depois da sua estreia sem nome, testemunha-se o completar do ciclo criativo de May Our Chambers Be Full. Infelizmente, com este emaranhado existencial da pandemia, o lançamento físico do disco viu-se adiado até dezembro; no entanto, o mundo ainda não perdeu a oportunidade de mergulhar e se resguardar nas muralhas sonoras de um dos discos mais poderosamente melancólicos do ano.
O cintilante timbre de Emma surge recorrentemente como elemento de foco, sempre em contraste com os arranhados e cáusticos berros de Bryan Funck e as guitarras graves e avassaladoras. A segunda faixa, “Monolith”, conta com uma intervenção da KC que tão rápido estranha como tão rápido entranha. Com passagens sucessivas, esta pode muito bem ser uma das mais bem conseguidas, onde os riffs lentos e oscilantes à la Alice in Chains trazem o groove ao de cima. Ao longo destes breves 35 minutos, o ouvinte é ainda confrontado com músicas que suplicam para ficar, como “Out of Existence” com a sua vagarosa progressão em torno de um solo reluzente mesmo a meio da música, ou até mesmo a pesadíssima “Into Being” que revolve pequenas pinceladas de luz contra uma tela desoladoramente negra. A super memorável e emotiva “The Valley” designa uma brilhante intervenção em forma de término, com um build-up sempre focado na proclamação de Emma, a antecipar uma explosão coletiva e que termina com uma relaxante despedida de cordas e violino.
Mesmo caminhando percursos sonoros praticamente opostos, Emma e Thou partilham entre si uma forte ligação de amizade e camaradagem. Algo que se sente não só pela genuína química na composição, como pelo sucesso em sintonizar tonalidades diferentes numa só frequência emocional. Parece simples? É bem mais difícil do que aparenta. Em culminação, denotam-se grandes torres em dualidade com melodia, distorção e uma cadência lindíssima a edificar a entrega cura do disco. Além de conviver e materializar uma sensação de saudade e desejo para a autocompreensão, o ouvinte é desde o início vendado pela claridade do absurdo. Surgindo e ressurgindo tópicos como as certezas e incertezas da saúde mental, bem como o atrito existencial da apatia emotiva, a catarse tem realmente toda a importância. Independentemente do peso – esmagador e sufocante – e da atmosfera e densidade, é a emoção que reina acima de tudo. Nesse mesmo propósito, May Our Chambers Be Full triunfa a narrar uma tour de force, sem hesitação e sempre certa da sua direção e de como procura a sua conclusão.
Picking up on what you said about the visual aesthetics – and being more of a personal curiosity for me than anything else –, your records feature different cover art in their physical and digital releases, which range from photography to cut pieces of illustrations by Gustave Doré, respectively. Why is that?
“I view, and I think Bryan views, the physical records as an almost separate experience from the digital ones and so, we want to emphasize that difference in as many ways as possible, whether it’s adding something extra, you know, like if we do a CD, maybe we’ll add an extra something because there is room. And also, as a way to just mess with the format. Like, if we do a CD, because the layout of a CD and the way you have to design the CD is going to be different from the way you would design an LP, we want to do something that reflects that difference and utilizes all the strengths of each format. So, the digital thing is just like, you know, Bryan had a lot of these woodcut type images and we were talking about having a really unified aesthetic for the digital stuff so that everything looks very official. But in my opinion, it’s also a good way to get people interested in acquiring the physical format because I think the imagery is superior, so it’s kind of a bonus for people who get the record. You get this nice, much more involved and much more intentional artwork and that’s like a treat for people. But I know it confuses people a lot, for sure, I’ve definitely seen that [laughs].”