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Femi Kuti & Made Kuti - Legacy +

Femi Kuti & Made Kuti - Legacy + - 2021
Review
Femi Kuti & Made Kuti Legacy + | 2021
João Rocha 30 de Março, 2021
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O ano é 1977, e o controlo da Nigéria encontra-se novamente nas mãos de uma junta militar. A 18 de fevereiro, o exército mobiliza um milhar de soldados para cercar um conjunto de casas nas proximidades de Lagos. As casas amarelas contrastavam com todo o arame farpado que as circunscrevia e protegia. Em pouco mais de quatro horas, o exército nigeriano havia-as reduzido a cinzas, após espancamentos e violações brutais aos seus habitantes. Do nada, o sonho da República Kalakuta deixou de existir, e o seu criador foi enviado para o exílio.

Kalakuta nada mais era do que uma comuna criada pelo multi-instrumentista Fela Kuti, onde habitava juntamente com a sua família e os familiares dos integrantes da sua banda – os Africa 70. O objetivo de Olusegun Obasanjo, líder da junta militar, ao intentar tamanha operação era intimidar e silenciar a fama de Fela, e assim afastar dos olhos do mundo às irregularidades e atentados perpetuados na Nigéria na altura.

Contextualizando: Fela Kuti era uma estrela internacional; criou e foi o maior impulsionador do afrobeat; viveu nos EUA e confraternizou com as grandes estrelas da época. No entanto, nunca virou a cara às dificuldades do seu país, e cedo regressou a ele, instalando-se em Kalakuta e usufruindo do seu estatuto de celebridade para chamar a atenção da comunidade internacional. Transformou as suas músicas em armas de guerrilha, candidatou-se a presidente, mas viu a sua candidatura ser afastada pelo regime. É um dos nomes maiores da música africana (se não mesmo o maior), dedicando a sua vida à divulgação do afrobeat, à contestação social e à luta pela melhoria da vida dos seus conterrâneos. Agora, duas décadas após a sua morte, dois dos seus descendentes decidem honrar e celebrar a vida desta lenda da música.

O resultado é este Legacy +, um álbum duplo, que em boa verdade são dois álbuns distintos. A sua origem acontece aquando da gravação do novo material de Femi Kuti. O filho mais velho da lenda africana seguiu os passos do pai enquanto impulsionador do universo afrobeat, primeiro enquanto líder do projeto musical iniciado pelo seu ascendente – os Egypt 80 –, depois, e até hoje, em nome próprio. É de louvar a dedicação do clã Kuti à perduração do nome e ao “negócio de família”. E o talento, claro. Os Egypt 80 continuam a existir, agora liderados por Semi Kuti, o filho mais novo. Em 2019 passaram por Portugal, no festival MIMO, em Amarante.

Mas regressemos a Femi. Multi-instrumentista, sagrou-se particularmente prendado no saxofone, tendo investido numa carreira musical que visasse a divulgação do género pelo mundo. Em 2001 contou com colaborações de Mos Def e de Common no seu álbum Fight to Win, numa abordagem mais contemporânea e acessível da sua música para o público generalista. Nome maior da música africana, produzia com poupa e circunstância o seu novo trabalho Stop the Hate, que viria a tornar-se a primeira parte deste Legacy +. Femi segue uma linha totalmente colada à escola do pai: música de intervenção ritmada, onde se manifesta contestação através da festa. As batidas clássicas do afrobeat estão todas lá, acompanhadas por um exército de saxofones e outros instrumentos de sopro, harmonizados por guitarras sublimes. As letras são simples mas eficazes, sendo notório que os problemas de África (e do mundo) continuam a ser os mesmos: a corrupção do sistema e a opressão dos mais fracos. “You Can’t Fight Corruption With Corruption” é perentória, e em “Privatisation” quase conseguimos sentir a dor da inacessibilidade da posse. Até na energética “Pà Pá Pà” (e desafio o leitor a ouvi-la sem abanar o corpo) cada estrofe é um manifesto político. É tudo simples, tudo direto, escrito, feito a pensar no cidadão comum, o que faz desta parte do álbum uma maravilhosa experiência não só musical como social.

Ora, é durante estas gravações que Femi decide desafiar o seu filho (que era parte integrante dos músicos envolvidos) a gravar também ele umas músicas e criarem juntos um álbum duplo. Made Kuti, que, tal como o seu avô, estudou no prestigiado Trinity Laban Conservatoire, em Londres, e cresceu rodeado das influências musicais da família, mas também das vivências e das sonoridades cosmopolitas do século XXI. Aceita o desafio do pai e nasce aquele que poderá ser considerado o seu primeiro álbum: For(e)ward. E assim se completa Legacy +. Fruto da sua visão mais globalizada, o álbum torna-se menos centrado na revindicação (ainda que exista espaço para ela) e volta-se para os lugares comuns da paz e da empatia. “Your Enemy” é soberba nesse aspeto, mostrando-nos uma visão acinzentada do crime e das motivações de quem cai nessa vida. Musicalmente, Made está preso ao “negócio da família”, mas a sua instrução e salto temporal e cultural permitem-lhe arrojar sonoridades mais contemporâneas, piscando o olho ao hip-hop e ao jazz. “Blood” é o melhor exemplo de como ousar mexer em fórmulas sagradas em jeito de homenagem. De facto, e apesar de ainda ser uma pedra sem polimento, parece-nos que o futuro do afrobeat poderá passar por aqui.

Apesar de abrir o espectro do género que Fela ergueu, tanto Femi como Made estão vinculados a esta tradição sonora. Unidos num só, pai e filho, ou filho e neto, honraram um projeto que vai muito para lá da música. Seria redutor falar só da sonoridade dos Kuti, ou ofensivo dançá-los sem a consciência do que estamos a celebrar. Quarenta e quatro anos após o cerco de Kalakuta, a celebração continua a ser uma arma contra o mesmo tipo de opressão. Legacy + é o resultado de um entendimento geracional em prol de uma consciencialização social mais plena e empática. Legacy + é o saber manter, e até elevar, o peso do nome de família. Legacy + é obrigatório este ano.
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Femi Kuti & Made Kuti - Legacy +
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