Apesar de não estarmos perante conteúdo imediato, é provável que ao ouvir o chilrear do prefácio de LP 1, com aquela voz sobrenatural e resplandecente, num contraponto vocal (logo em parte medieval) que também cheira a trip-hop com a sua linha rítmica bem adiantada no tempo, algumas pessoas, simplesmente, acordem: “Preface” é um acordar, mais do que para o álbum (qual cliché), para o charme futuristicamente estilizado e irresistivelmente sedutor que sustêm FKA twigs.
Tahliah Barnett, a mulher atrás deste projecto, é uma cantora, produtora e dançarina pop britânica, conhecida em primeiro lugar pelos seus trabalhos coreográficos em videoclips de artistas vistosas. Contudo, os seus EP´s, na minha opinião mediaticamente subestimados em Portugal, atraíram a atenção lá fora, sendo esta consolidada agora com as mostras de LP 1. E de facto, como não admirar esta consolidação musical, que têm tanto de seguro como de arriscado?
Ouça-se “Lights On”, faixa que segue “Preface”: sample de contra baixo, percussão insólita, um dos hooks mais viciantes do disco, sopros orientais, um brilho que ofusca constantemente. Mas também “Two Weeks”, o principal single, com um bombo relutante, sons agudos a flutuarem na mistura e a voz de Tahliah, desmesuradamente intensa, chamativa, ingénua, maquinal, tudo ao mesmo tempo com uma imensa força e gentileza, como uma alma móvel que paira de música em música e abarca todo o álbum.
LP 1 assenta em dois pilares: uma produção que traz consigo toda a imaginação da meninice e um profissionalismo irrepreensível, e esta voz dura e leve, que também vive de extremos no melhor sentido possível. Já é, na minha opinião, uma das grandes vozes pop desta década. Estes elementos acompanham todas as músicas e momentos, como o ranger libidinoso e palmas reverberantes de “Numbers” ou as cordas sintetizadas e modulações vocais de “Video Girl”. O álbum esconde-se um bocado nele próprio, mergulhado em pormenores, e é preciso várias e boas audições para captar aquele sussurro escondido, aquela brincadeira da imagem stereo, aquele pormenor instrumental. Num todo a obra é coesa, como se disse há pouco, e de uma abrangência de tons e luminosidade (acima de tudo, luminosidade) extraordinárias.
Há álbuns cuja imagem que projetam pode ser mais poderosa do que eles próprios. LP 1 já é credibilidade artística (entendam esta afirmação como quiserem) e pode, quem sabe, virar um ícone cultural para esta nova geração de amantes do futuro. FKA twigs deu à luz um dos melhores álbuns de 2014.