Das mentes abismalmente geniais que nos tem proporcionado com algumas das fusões mais provocantes e esotéricas de grindcore em memória recente, não se previa nada mais nada menos que a ressurgência de uma oratória que, enquanto vanguardista nos moldes em que se explora, não deixa por um momento de nos deixar inteiramente perplexos tanto na lírica, como nas conceções e execuções técnica e artística. Falamos, como se houvesse ainda uma réstia de ambiguidade, de Garden of Burning Apparitions, o muito aguardado e terceiro ingresso de escala completa no tão aclamado repertório dos Full Of Hell. Soerguido pela Relapse Records, nome mais que familiar no que toca a discos de renomeado peso, o novo contributo do grupo estadunidense entra de pé a fundo em recém-cartografada, explorando novas dinâmicas e fluências que, recapitulando ligeiramente sobre os fulcros experimentais de Weeping Choir, elevam o patamar antes proposto sem grandes dificuldades.
Entre colaborações com grandes contemporâneos de categorias sonoras adjacentes – Merzbow, The Body, HEALTH, entre tantos outros –, e assomando-lhes ainda a fração generosa de projetos secundários que alguns membros da banda tem vindo a explorar fora de horas, o que não tem faltado aos Full Of Hell é interação com artistas dos mais variados calibres e vivências. No jardim vitriólico e aparatoso aqui ilustrado, não só se denotam muitas destas convivências com outras culturas tais como noise, drone ou industrial, como estas ainda acabam por adicionam infinitamente mais carácter ao corpo metálico onde estão enraizadas. Concede-se o fio condutor para que não sirva apenas o propósito inerente ao grindcore, mas também tudo aqui que sirva como derradeira portador da estética que se pretende destacar.
A tensão dispõe-se ao longo de todo o álbum, independentemente do contexto em possa estar a ser praticada. É, no entanto, uma tensão que vai além da intensidade instrumental que explode e implode sucessiva e alternadamente a cada segundo e que quando para, se é que para, sinaliza apenas o recupero do fôlego para que irrompa posteriormente num raio maior: é uma tensão que se incorpora na rigidez da aura macabra e espessa que nunca espairece mesmo entre faixas; um desassossego que se coloca estrategicamente entre cada mudança drástica de tonalidades dissonantes; uma valência atmosférica de tal maneira densa e penetrante que nos impõe uma necessidade de ranger os dentes, consciente mas não voluntária.
A longo prazo, o carácter hirto e contraído de Garden of Burning Apparitions resulta num produto altamente denso e caótico, onde certas instâncias são tão pejadas de conteúdo que efetivamente obrigam a várias reproduções para que se o mesmo se interiorize. Contudo, e se é verdade que mesmo em todo e qualquer caos vigora uma ordem por decifrar, então não nos abstenhamos de reconhecer devidamente a qualidade dos métodos aqui empregados e através dos quais se orquestrou uma odisseia de simbioses eruptivas. Isto porque, no final de contas, a aparente desordem em que o álbum nos posiciona acaba por ser destituída perante a discordância concordante das vozes que o comparticipam, conjurem-se estas sob os gritos violentos e fulminantes de Dylan Walker, sob a compulsividade anormal das cordas de Spencer Hazard e Sam DiGristine, ou sob a percussão epilética de Dave Bland.