É preciso viver-se debaixo de uma pedra para poder ignorar esta banda. Só este ano, Full of Hell cumprem dez anos de carreira, e apesar de parecer muito, o quarteto é ainda bastante jovem para uma década. A este ponto, seria expectável ver a juventude a pesar o desleixo e a preguiça, mas a banda não é assim. São exatamente o contrário, workaholics puros. Desde que se juntaram, contam com quatro discos a solo, uma extensão de projetos colaborativos com The Body e Merzbow, uma mão cheia de splits, entre os quais com Code Orange Kids, Psywarfare e Nails, tal como uma imensidão de noise tapes e EPs. O ciclo da banda é continuamente firmado em compor, lançar, tocar, colaborar, tocar de novo e assim sucessivamente. É irónico como um ciclo tão mecânico é fomentado pela mais extensa lista de editoras que por aí se vê. Até agora, já colaboraram com a A389, Profound Lore, Thrill Jockey, Neurot, e nos dias de hoje consignam-se ao seu quarto disco, pela massiva Relapse Records.
É difícil colocar esta banda numa só gaveta. Começaram com blackened hardcore e eventualmente transitaram para o caos absoluto. Hoje em dia, podemos perfeitamente “classificá-los” como grindcore, death metal, powerviolence e muito mais. Dito isto, não há nada de redundante no som do coletivo, e não bastando, este é muito leal à ética de trabalho que até aqui tem sido estabelecida. Weeping Choir é a nova contribuição dos americanos. Sendo esta uma “sister release” do seu antecessor Trumpeting Ecstasy, conta também com Kurt Ballou na produção, Brad Boatright a masterizar e Mark McCoy a ilustrar a capa do álbum. O resultado final tem de ser tão bom, senão melhor, como o seu antecessor. Mas é excecionalmente melhor.
Segundo Dylan, Kurt puxou muito mais pela banda nesta volta do que na anterior. Com o guitarrista de Converge a almejar perfeição, este viu-se, muitas vezes, a insistir em sucessivas tentativas para tentar tirar o melhor de cada um em estúdio. O produto é evidentemente esmagador. As faixas mais curtas e rápidas, como a primeira “Burning Myrrh”, seguida pela “Haunted Arches”, ilustram perfeitamente o quão exaustivo deve ter sido consegui-las nas gravações. Outras faixas como a abrasiva “Downward”, “Silmaril” ou “Ygramul The Many” compilam uma mão cheia de malhas que, apesar de seguirem um layout bastante frontal, com blast beats e progressões muito aceleradas, não deixam de impressionar com os seus riffs estupidamente bem escritos.
O retorno do noise tornou-se fulcral no disco. Mesmo que este se reduza ao panorama atmosférico, muitas vezes servindo como um rugido mecânico ou estática, é ele que entrelaça as faixas num fio condutor. O interlúdio “Rainbow Coil” é prova disso, pois este liga duas faixas completamente diferentes sem que haja uma perda de coerência e coesão entre estas. A massiva “Thundering Hammers” pronuncia-se como uma ode a Morbid Angel e Immolation, com riffs lamacentos e um arrastar sujo e desnorteado. Na outra extremidade, está o assalto em forma de trauma contundente de “Aria of Jeweled Tears”, com vocais e hidráulica pressurizada por Limbs Bin.
Até aqui, facilmente se ganha uma dimensão de grandeza com a densidade e o sufoco da instrumentalização de uma música atrás da outra. No entanto, há duas músicas em concreto que elevam a banda por novos e destemidos terrenos. Uma delas é “Angels Gather Here”, que vê o baixo e a batida a “transformar” a atmosfera num desbaste industrial. Mesmo tendo uma base mais eletrónica, os berros sangrentos de Dylan não abandonam nem abrandam. O que acabou por relembrar um pouco de Author & Punisher, mas com uma entoação mais visceral e com destemido exagero.
A outra é “Armory of Obsidian Glass”. Inquestionavelmente uma das mais fortes e estridentes músicas que Full of Hell já compôs até hoje. Alcançando quase sete minutos de reprodução, esta conta com a participação de Lingua Ignota a projetar cantos litúrgicos, ao som de uma abismal queda num vórtice de vácuo humano. Os riffs são melódicos, a par do timbre de Kristin, e a atmosfera parece percorrer artérias que, até aqui, nunca tinham sido exploradas pelo quarteto. A funcionalidade é exímia, mas toda a química entre a banda e a convidada brinda esta faixa como o opus magnum da carreira de dez anos da banda.
Apesar do seu claro crescimento, o grupo nunca escondeu as suas influências e admirações. Na verdade, estes sempre se mantiveram humildes aquando da partilha de palco com nomes como Dropdead, Demilich, Immolation, Pig Destroyer e tantos outros. Inegavelmente, todas as suas contribuições os têm colocado num escalão isolado na música extrema. Com Weeping Choir, essa posição mantém-se gloriosamente cimentada e sem paralelos. Sem grandes rivais, aqui se ergue o maior candidato a álbum do ano no espectro da música extrema.