Tem sido particularmente difícil prestar atenção a qualquer outro disco que tenha saído na mesma semana que este. Desde que foi anunciado que tenho vindo a antecipá-lo como outro grande highlight do ano, e é realmente um alívio poder finalmente ouvi-lo. No entanto, antes de nos imergirmos no submundo de Alphaville, é crucial sublinhar o crescimento exponencial a que os Imperial Triumphant têm sido sujeitos nestes últimos anos. Foi com a chegada do seu antecessor, Vile Luxury, que o trio de Nova Iorque começou a ganhar algum mediatismo. O videoclipe do single “Swarming Opulence” foi sem dúvida um catalisador disso mesmo. Compactuando a estética sonora do disco com toda uma veia cinemática, o resultado acentuou-se de forma certamente avassaladora.
Abraçando uma natureza que muito obviamente liga o lendário “Metropolis”, de Fritz Lang, a uma possante elegância Kubrickeana, o aspeto visual é industrial, sinistro, maquinado, abundante e sufocante. As máscaras douradas, o remanso cosmopolitano da enorme Nova Iorque, o jazz… Tudo disposto de uma forma que resulta na próxima grande promessa do metal avant-garde. Vile Luxury chegou e fincou o seu impacto durante a respetiva campanha de digressão. Surgindo entretanto a chance de testemunhar a força bruta de Imperial Triumphant ao vivo, não há como hesitar. A primeira oportunidade chegou com o set de fecho do mítico Het Patronaat, no Roadburn (que concerto arrebatador!), e a segunda seguiu-se com uma intervenção menos conseguida no SWR Barroselas Metalfest, tristemente marcada por inúmeras dificuldades técnicas – não obstante, impressionante! Instantes antes de subirem ao palco no Roadburn, tivemos a oportunidade de trocar umas palavras para ficar a conhecer um pouco o mundo da banda. É favor averiguar aqui.
O tempo passou e a expectativa por música nova obteve, em resposta, o retorno da banda ao mítico Menegroth The Thousand Caves – estúdio do iluminadíssimo Colin Marston (Krallice, Gorguts, Dysrhythmia) – para dar início ao emoldurar de Alphaville. O disco começa exatamente com o primeiro single e videoclipe divulgado – “Rotted Futures” – e é sem dúvida um arranque digno da doutrina de 50 minutos que ainda está por seguir. A abraçar dissonância, mudanças de tempo convulsivas, uma linha de baixo latejante e progressões de guitarra orelhudas, dá para notar uma banda à procura de expandir e edificar as já familiares tendências para paisagens sonoras sincopadas e bem mais pesadas. A vertigem é uma sensação que permanece ao longo do disco, e a faixa “Excelsior” parece cunhar esse mesmo termo da melhor forma. Entre notas de jazz flutuantes e guitarras em tremolo contra uma parede de som de blast beats, cordas estridentes que lembram Portal acompanhadas de um groove rítmico, toda a pontuação parece ser acompanhada pela grande silhueta da cidade de Nova Iorque.
Em faixas como “Alphaville” ou o fecho “The Greater Good”, o ouvinte é rodeado pelo som da cidade. Comboios, metro, o zumbido ensurdecedor das multidões, os arranha-céus a ensopar a neblina de lounges e palacetes luxuosos – tudo a complementar uma performance completa e gloriosamente entregue. “City Swin” e “Atomic Age” justificam todo o hype que o disco tem vindo a ter ao longo destes últimos meses, e é curioso como a banda ainda promove pequenos detalhes do seu antecessor – como as três pujantes marteladas em “Cosmopolis”, a densa cacofonia e até mesmo o retorno de Yoshiko Hara (ex-Bloody Panda) para uma execução vocal verdadeiramente aflitiva. No entanto, o trio acaba por brilhar mais quando este percorre territórios completamente inexplorados.
Quer seja o coro de barbershop quartet, as percussões japonesas conduzidas por Tomas Haake (Meshuggah), ou até mesmo as máquinas industriais de bateria, a banda fá-lo tudo de uma forma simplesmente impetuosa. Uma real masterclass que insiste em ter tudo e mais alguma coisa, sem nunca – em momento algum – perder toda a coesão e consistência narrativa de Alphaville. Para além do mais, existe ainda outro motivo pela qual o disco comunica de uma forma tão hipnótica. Afinal de contas, mal se distinguem as passagens entre faixas. As mil e uma transições entre progressões megalómanas deixam o ouvinte perdido num monumental labirinto sonoro. Sem qualquer noção do que se tem atrás ou adiante, Alphaville está de facto numa dimensão própria. Muito à semelhança da artwork do polaco Zbigniew M. Bielak inspirado no filme Inception, o songwriting, a produção, a estética, o espelho entre o passado e o futuro; tudo reflete um empenho vital que engole o ouvinte numa realidade multidimensional. Relembra-se a interminável escadaria em “Relativity” de M.C. Escher, ou A Zona no filme “Stalker” de Andrei Tarkovsky. Para entrar e realmente apreciar Alphaville , é-se necessária a disposição à interna e externa mutação gravítica.
Uma coisa é certa: o mundo nunca será o mesmo depois disto. Imperial Triumphant criaram aqui algo fundamental. Coexistente entre o livre e desmarcado jazz em forma de improviso, com sangue de black metal na corrente sanguínea, eis um artefacto que muito dificilmente encontraremos na nossa atualidade. Um resultado que somente a colaboração de Zach, Kenny e Steve nos poderia trazer. O trio prometeu-nos uma gloriosa entrada para os “roaring 20’s”; e aqui está ela. Gritante e avassaladora.