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Keaton Henson - Monument

Keaton Henson - Monument - 2020
Review
Keaton Henson Monument | 2020
Joana Coelho de Pinho 02 de Novembro, 2020
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Keaton Henson comunica diretamente com a nossa alma. E impera a questão, quando é que se pode dotar um clichê de sentido? É que certamente não existe aqui qualquer banalidade.

Existe, porém, no trabalho de Keaton, uma profunda vulnerabilidade, taciturnidade e melancolia quase misantrópica. Talvez isso justifique a sua falta de popularidade e visibilidade. É que é realmente difícil sair do modo defensivo em que vivemos por padrão. Somos seres eminentemente emocionais, mas não necessariamente emotivos. E a música de Keaton implica necessariamente a aceitação do romantizar da vida, expõe-nos à agonia e isso deixa-nos expostos, despidos. O receio de nos tornarmos óbvios limita-nos, pois, a experiências sentimentais desta natureza. Esta é a introdução que carece de ser feita por objetivamente espelhar os traços mais distintivos deste artista.

Depois, sim, dê-se a conhecer mais. Músico, artista e compositor, natural de Inglaterra, Keaton faz questão de deixar claro que não gosta de falar dele próprio e, portanto, converte as suas emoções em arte.

Monument, o seu álbum de 2020, aborda os dez anos de doença prolongada do pai que veio a falecer dois dias antes da respetiva publicação. Há realmente viagens emocionais às quais não estamos imunes e, para esses casos, sirva-nos a consolação da existência destes trabalhos artísticos para dotar tudo de maior sentido, assim como a generosidade daqueles que se expõem por nós, até ao limite da capacidade humana (“I’ll write until there’s nothing left of me”).

Neste álbum o medo está sempre à superfície, é palpável em cada acorde. A antecipação da partida do pai (“are you still listening (…) don't leave me here”). Todavia, o medo não é manifestado de forma turbulenta ou descontrolada. É um medo cru que leva o artista, invariavelmente, a regressar ao seu autoquestionamento. No tema de abertura, no decurso de uma análise interna contemplativa, Keaton conclui: “I’m half a songwriter, half a man, not fully either”, mas não se ouse pensar que o faz de forma autodepreciativa. É sabido que Keaton se debate com múltiplos problemas de ordem psicológica, incluindo depressão e síndrome do impostor, mas o artista é sempre brutalmente honesto e humilde nas suas partilhas desta índole, e transpõe-no para as suas letras de forma despretensiosa, o que o eleva a um grau de humanismo que talvez nenhum artista tenha ainda sido capaz de atingir.

Ao contrário de outros trabalhos de Keaton, onde se parece encontrar mais sufocado pela dor, neste álbum prevalece um sentido de esperança maior, trazido muito provavelmente pela fé. Atente-se no seguinte verso da música Ontario: “I am off balance but I feel my soul” – o seu sentido é axiomático e o poder aqui vertido é imensurável, a revelação de um Keaton mais estóico e o reconhecimento de que nós somos mais do que aquilo a que as nossas circunstâncias nos reduzem.

Esta música é talvez das mais esperançosas de todo o álbum ou, pelo menos, a que melhor sustém a interpretação de que as dificuldades da vida lhe acrescentam valor e substância, por estarem associadas a uma premissa fundamental, a existência de vida em si… E de afeto. Os méritos desta música são partilhados com Philip Selway, dos Radiohead, que presta a sua contribuição na bateria e percussão, assim como o músico Leo Abrahams, na guitarra, e a compositora Charlotte Harding, no saxofone.

O tema que merece mais destaque terá naturalmente de ser “Prayer”, um trabalho artístico em toda a sua composição, produção e vídeo. Será justo dizer-se que estamos perante uma obra-prima musical. A música começa com a voz de Keaton debruçada em notas baixas sobre a brandura do piano, conduzindo-nos numa balada. O vídeo introduz uma casa silenciosa, escura, em luto, com imagens de infância projetadas nas paredes, porque as memórias habitam as casas, ficam encrostadas na madeira, em cada canto, em cada objeto. A melodia prossegue por entre raspas eletrónicas de lo-fi até culminar numa quebra absoluta, uma quebra que antecede o passo seguinte no caminho do luto. A música evolui então para um movimento orquestral que exibe um arranjo de cordas preparado pela orquestra britânica 12 Ensemble, de Londres, e a segunda parte musical é instaurada por uma ave a sobrevoar os céus convictamente, uma convicção que não é tão religiosa, senão afetiva. E depois a luz do sol a entrar cautelosamente pela casa, a brilhar sobre lugares vazios (por esta altura, a dor de Keaton agudiza-se no nosso peito). Vagarosamente a nuvem desloca-se para que o sol moderado do final de tarde faça as suas honras. Um simbolismo de uma esperança frágil, tal como indiciado pelos acordes prolongados, em crescendo. O vídeo termina conduzindo-nos para uma parte da casa que anuncia uma vista ampla exterior, apoiando a interpretação de que a morte não retira vida à própria vida e que, ainda que menos iluminada, há vida para ser vivida. Por isso colocamos a esperança numa reza.

“Keaton, wave to daddy”, ouve-se na voz de seu pai, antes de a música terminar, na fração de segundo mais fragilmente eternizada. A representação fiel da dor humana, na aceitação triste e agonia digna de quem sente com a verdade da alma.

Há uma dicotomia intencional patente no álbum, na medida em que Keaton capta a dor maior que um ser humano vem a sentir nesta vida e, ao mesmo tempo, celebra e dignifica a própria vida. Ora vejamos. Por um lado, em “Self Portrait” prevalece a sonoridade de uma guitarra ligeiramente enleada, enquanto se reflete sobre o pesar da vida (“Carving goodbye / In the back of your throne / This is the fight”), numa dor prostrada em ecos vocais apresentados por camadas. Por outro lado, somos presenteados em “While I Can” com uma batida surpreendentemente movimentada e venturosa, quase a fazer lembrar Fleet Foxes. Através de um vibrato trémulo, Keaton partilha a convicção de que devemos usar o remanescente da vida para amar incondicionalmente (“While my thoughts are making any sense / While I'm living in the present tense / I wanna love you while I can”).  E sendo coerente com o que prega, surge munido de uma coragem ardente para lutar pela sua relação romântica (“I want a kid or two / I wanna live with you / I wanna live with you till we die”).

Somos efetivamente o resultado das batalhas que travamos. E as forças manifestam-se em nós quando achávamos que não tínhamos estrutura para suportar sequer mais uma lágrima. Somos então ampliados e passamos a ser mais sólidos, menos autocentrados e orgulhosos. Só há espaço para o orgulho real de quem honra o que sente, não havendo, pois, lugar para o orgulho enviesado de almas por maturar, porque crescemos mais sábios (“I got all my baby teeth / All buried underneath my grown ones”), e deixamos de querer ser versões menores nossas, na certeza de poder experienciar a vida com mais profundidade e amplitude (“I'm going to live if it kills me.”)

Que viagem tão dolorosa e bela. Assim é Monument, assim é a vida.
por
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Bandas Keaton Henson

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