Como qualificar com sucesso um álbum que se revela simultaneamente um triunfo e um fracasso? É uma questão interessante que o mais recente álbum de Kehlani levanta. Através de uma quantidade excessiva de músicas somos levados através do que se assemelha a uma viagem de montanha-russa com todas as subidas e descidas que uma implica. Durante uma parte do álbum sentimos que estamos a ouvir músicas com um tipo de beleza interessante e original mas rapidamente somos desapontados pela magnitude da redundância e falta de originalidade que noutras músicas ela revela tanto lírica como musicalmente.
Kehlani Parrish, de 21 anos, deu início à sua carreira ainda durante a adolescência, tendo feito parte do grupo PopLyfe que foi finalista no programa televisivo “America's Got Talent”. Pouco depois já estava a lançar o seu primeiro álbum Cloud 19 em 2014 e o segundo, You Should Be Here, em 2015. Ambos os álbuns foram promovidos como mixtapes e disponibilizados gratuitamente na internet, tendo o último se tornado um grande sucesso nos Estados Unidos. Os críticos vangloriaram não só a abrangência de estilos que o álbum demonstrava, indo desde do neo-soul e R&B às mais típicas canções pop, como também a capacidade de Kehlani de escrever letras diretas e sinceras, sem ter medo de usar expressões mais grosseiras e de causar desconforto e constrangimento nos ouvintes. Em 2016 foi nomeada para um Grammy na secção de melhor álbum urbano contemporâneo e pouco depois foi notícia por se ter tentado suicidar por razões relacionadas com o fim de um relacionamento amoroso. Nesta altura, já começara a trabalhar no seu novo álbum, SweetSexySavage, com o famoso e muito requisitado duo de produtores Pop&Oak, que já produziram faixas para as mais veneradas artistas pop da atualidade (Nicki Minaj, Rihanna, Alicia Keys, Britney Spears, entre muitos outros) e depois de uma curta recuperação dedicou o resto do ano a terminá-lo. Ora depois de um ano de altos e baixos, eis que finalmente chega o tão aguardado álbum de Kehlani que infelizmente, tal como o seu ano, está repleto de altos e baixos.
Quem se lembra reconhece imediatamente algo de familiar no título do álbum. Torna-se óbvio que o título de SweetSexySavage é uma clara homenagem ao famoso álbum de 1994 CrazySexyCool das TLC, e em mais do que um aspeto é notável a vontade de Kehlani de reavivar e revitalizar o género já por muitos esquecido que é o R&B dos anos 90 e do início dos anos 2000. Neste sentido o álbum é, em parte, bastante interessante. Num álbum de 19 músicas, sendo a primeira uma introdução, são nove as que realmente se destacam, caindo a restante metade do álbum na vulgaridade de um pop que ao estar já profundamente experimentado e desgastado não traz absolutamente nada de novo ao género e faz por mantê-lo bastante aborrecido.
Depois da faixa introdutória começam então as músicas propriamente ditas sendo as primeiras sete as que melhor funcionam como um interessante revivalismo do R&B e pop do virar do século. Enquanto a musicalidade da voz de Kehlani nos transporta facilmente para o final dos anos 90, os instrumentais fazem uso de sonoridades mais modernas para atingir a fusão dos dois tempos. Sintetizadores etéreos e amorfos, baixos eletrónicos e batidas com contratempos inevitavelmente reminiscentes da trap music, conjugam-se para originar algumas músicas extremamente bem-sucedidas em recriar o som caraterístico de uma época enquanto ao mesmo tempo mantêm uma sonoridade carateristicamente contemporânea. Tematicamente as letras de Kehlani oscilam previsivelmente entre uma necessidade de auto-afirmação e reconhecimento e, como numa grande parte das músicas deste género, as suas introspeções relativamente aos diversos aspetos da sua vida amorosa, mas enquanto pode ser interessante ouvir a cantora abordar estes temas em faixas como “Distraction” e “Personal”, que tão bem canalizam um tipo de pop-R&B já quase inexistente, pode ser igualmente dececionante ouvi-la em “Advice”, “Get Like”, “Hold Me By The Heart”, entre algumas outras, que caem na típica vulgaridade do pop mainstream destinado ao horário nobre da MTV. Tanto é que a segunda metade do álbum se demonstra uma perfeita e incontestável banalidade, salvo as exceções das músicas “Everything Is Yours”, que funciona ironicamente como uma carta de amor e de absoluta auto-resignação, e “Too Much”, que de forma nostálgica nos faz lembrar uma jovem Christina Aguilera no início da sua carreira.
Concluindo, para elogiar este álbum é inevitável ter que dizer que ele sofre de um prejudicial excesso de faixas. Se fossem cortadas cerca de nove músicas da lista poder-se-ia dizer que o álbum era um grande sucesso que funcionava principalmente por conseguir revitalizar uma sonoridade que hoje em dia é raro ser ouvida. No entanto, dado que o álbum tem 19 e não dez músicas, torna-se bastante mais difícil ter uma opinião positiva sobre ele, sendo até muito confusa a forma como um álbum pode ter tão de banal como de original, acabando isto por denunciar que a um nível geral ele se demonstra bastante inconsistente e que as suas intenções são pouco claras. Ficamos sem perceber se daqui a uns anos poderemos esperar de Kehlani ouvir álbuns com o potencial de se tornarem icónicos por inovarem e experimentarem com estilos já menos explorados, ou se iremos ter apenas mais uma típica diva do pop igual a tantas outras, uma vulgar súbdita das companhias discográficas multimilionárias.
Só pode ser dito que para o buzz gerado durante tanto tempo em torno da produção e lançamento de SweetSexySavage, este deixa muito a desejar. É certo que o álbum vai conseguir mais facilmente afastar, com as suas numerosas faixas banais e medíocres, os ouvintes que procuram ouvir boa música do que realmente cativá-los com as músicas que estão melhor conseguidas.