Kevin Morby é, inquestionavelmente, uma referência no que respeita ao indie folk em particular e, após o lançamento deste último álbum, atrevo-me a dizer que se consolidou como uma referência na cultura musical em geral. Este reconhecimento glorioso já se vislumbrava, aliás, no início da sua carreira, em que foi associado a nomes colossais no universo da música, como Bob Dylan e Leonard Cohen.
O artista partilha agora connosco o seu quinto álbum a solo, Oh My God, que, tal como próprio nome indica, contém uma verdadeira invocação divina. Esta invocação não é, porém, tão literal e retira-se da conjugação progressista de sonoridades, numa harmonia e mística celestiais, conquistada, desde logo, por intermédio do gospel. O gospel aparece aqui como forma de conceber a realidade na sua complexidade, e o cunho espiritual que traz consigo alinha-se num equilíbrio perfeito com o jazz, que se proclama solidamente ao longo do álbum, naquilo que se crê ser um romantizar da fé, na celebração da serenidade que esta permite ao artista, da maturidade e sabedoria que lhe acrescenta. Na faixa “No Halo”, esta associação culmina numa coesão que parece intrínseca e natural, com cânticos de flautas, insinuações do charme do saxofone, bem como a emersão de um corpo de vozes femininas, para marcar uma mística que não se quer esquecida.
De um lado temos, pois, o gospel que se identifica pelos seus ritmos dançantes. Do outro, os traços instrumentais do blues e do jazz, numa fusão perfeita. Apesar de religioso na sua natureza, o gospel é usado aqui como forma de liberação e de antecipação de melhores tempos.
Os estilos musicais não se esgotam aqui. A influência que o rock teve na vida de Morby também se exterioriza. Nomeadamente em “OMG Rock n Roll”, onde a essência e elementos do rock se começam por afirmar com vigor.
Kevin reconhece as limitações da sua voz, e combate-as com a beleza e a arte que introduz na conjugação dos seus ritmos e conciliação dos instrumentos a que recorre. O seu tom grave, quase falado, serve, todavia, para reforçar e humanizar a sua mensagem, tornando mais relacionáveis os problemas de quotidiano que vai partilhando ao longo do álbum.
Dentro de “Oh My God”, há espaço para o saxofone, o piano, as harpas, os coros e os solos de guitarra. Há, ainda, baladas contemplativas e introspetivas, como em “Seven Devils”, “Ballad of Faye” e “Piss River”.
Esta última música contém uma lírica absolutamente sublime, atrever-me-ia a dizer, num estilo nobel de Bob Dylan: “Oh, the planet's so lonely and the planet's so cold (…) / I pray no disaster, no fight, no rain. And I pray that no devil gets inside my brain. As the world does its twirl between the moon and the sun (…) / What a dream to have ever felt the air so warm. What a dream to have even ever been born”.
Kevin Morby encontra também espaço para o sarcasmo comedido. Atente-se em “Congratulations”, ao ecoar “Congratulations, congratulations/ You have survived, oh, you stayed alive/ This life is a killer, but, oh, what a riot”. Um tributo à vida, com solos de guitarra a impulsionar a celebração.
Apesar destes pontos de destaque, o álbum em si não se desenvolve num alinhamento coerente, embora não seja inusitado. Pelo contrário, o seu interesse reside na robustez com que se apresenta: robustez de composição, robustez de sentido. Um sentido que não será atingido na sua plenitude de forma imediata. Mas talvez resida aí a especial intenção do artista, numa tentativa de fornecer as ferramentas para despertar no ouvinte uma reação, um questionamento pessoal. Questionamento que não será tanto filosófico quanto a invocação divina poderia deixar antever, mas um questionamento de narrativa, prático e um tanto poético.
A reação provocada não será reivindicativa. Será, sim, uma reação quase de caráter e sempre amenizada pelo calor e prazer que a melancolia compenetrante do jazz nos concede, suavizando ímpetos e vulnerabilidades mais animalescas.
Ao atentarmos na faixa que nos introduz este álbum, a faixa primitiva, conseguimos decifrar um apelo à fé, assumindo-se a esperança de que a própria esperança seja a salvação. É que “Oh My God” não se refere a um lugar ou a um hiato temporal, nem sequer a uma religião. Ao invés, refere-se a um universo espiritual que reside dentro de nós, a uma fé omnipresente que legitima e perdoa. Que reconhece universos diametralmente opostos. Um mundo onde cabe satisfação, tragédia, amor e dor. Um mundo invariavelmente sofrido, doloroso, mas onde também há espaço para a beleza sagrada.
É este universo naturalmente ambivalente que Kevin Morby celebra, divinalmente (pun intended), neste que é, inquestionavelmente, o melhor álbum da sua carreira.