Um trava-língua de gente esquisita sensacionalmente estapafúrdia, os King Gizzard & The Lizard Wizard são pessoas com dente afiado para álbuns conceptuais fortes e afetos à escolha entre diferentes sabores de géneros musicais, sem olhar necessariamente a provocações e disparidades. Imprevisíveis como o conseguem ser, assim o confirma uma discografia que conta com o som excêntrico do deserto em Flying Microtonal Banana, a ingressão jazz de Sketches of Brunswick East, a experiência acústica destemida de Paper Mâché Dream Ballon ou o mais recente tema eletrónico futurista com um corante bluesy em Fishing for Fishies, para mencionar apenas alguns exemplos. Depois de quinze álbuns de diversidade bem-sucedida, perante as notícias do lançamento de um disco de thrash metal, temos balbúrdia junta a um nível de segurança para com eles que leva ombros a encolher para perguntar “e porque não?”
Já não é surpreendente quando King Gizzard se comprometem com algo arriscado. O ano de 2017 é provavelmente o melhor e mais inesquecível exemplo, durante o qual vieram prometer gananciosamente o lançamento de cinco LPs. Empolgados e a abarrotar de produtividade criativa, constantemente entranhados na recetividade da experiência, é esta postura intrépida que torna o lançamento de um novo álbum cativante. A escolha de ideias em si parece resultado do lançamento de um dardo a uma mood board cheia de papelada. Eles nunca são aborrecidos.
Até agora, contamos este ano com Fishing for Fishies, lançado em abril. Com Infest the Rats’ Nest, somos forçados a assinalar o contraste novamente. O disco recebe-nos com uma bateria industrial compacta e o indispensável tapping - thrash está chapado desde início, eles não estavam a brincar. Recorrendo a “Planet B” como plataforma para este tópico, as letras mantêm algo de muito King Gizzardesco: centradas no tema da distopia agregada a mensagens ambientalistas, eles colocam-se novamente na posição de pregadores em favor dos underdogs, um sermão sobre a imprescindibilidade de uma transformação socioeconómica, por sua vez conectada com as preocupações ambientais. É o estimado estilo literário cético que já vimos antes, o pessimismo quanto à possibilidade de mudança do comportamento humano, uma visão bruta e sinistra do futuro. Os King Gizzard não aparecem para tentar alterar perspetivas, mas antes para serem os locutores do fim do mundo. Como é o caso na maioria dos seus álbuns, as letras estão lá para lhes prestarmos atenção.
Mantém-se o nível de energia de um instrumental atarefado, o que nos leva a questionar até que ponto não seria previsível o lançamento de um disco de thrash metal eventualmente. Infest the Rats’ Nest conta com um ritmo ainda mais apressado na bateria dramática, cordas troantes com alguns gritos agressivos na guitarra, o detalhe do feedback descontrolado nos últimos segundos de algumas músicas, que dá ares de gravações de garagem, e o ambiente apocalíptico demoníaco de “Self Immolate” que derrama para “Hell”, acabando o álbum na total contundência. O instrumental tem todo o tremor e o peso que lhe é pedido, ótimo para o síndrome de pernas inquietas de qualquer um. King Gizzard cumpriram novamente as promessas que fizeram.
Elogios à parte, é também verdade que esta banda rock psicadélico vê este ângulo deposto para um estilo que se torna quase intruso no caso de King Gizzard – apesar da sua afeição pela rapidez. Dão-nos algumas espreitadelas, como em “Superbug”, onde encontramos o uivar de Nonagon Infinity, mas a melodia retorna então à fidelidade do thrash, compreensivelmente. Os King Gizzard & The Lizard Wizard apropriam e dilatam géneros musicais que em primeira mão poderiam ser vistos enquanto áreas interditas, conseguindo ainda fazê-lo de forma a suplementar a restante discografia. No caso de Infest the Rats’ Nest, acaba por se tornar uma conversa centrada em opiniões pessoais em relação ao género musical em si, sem dispensar a ovação às qualidades destes shape-shifters.
Aqui o thrash não é uma sugestão, a banda assume a orientação correta numa ode audível aos Big Four. Juntemos um grupo de pessoas com gostos musicais drasticamente diferentes, e cada uma delas pode apreciar legitimamente pelo menos um álbum de King Gizzard & The Lizard Wizard, e é aí que está o charme.