Que grande disco dos Korn – e de nu-metal – é este Requiem. É certo que não possui o mesmo nível de inovação e frescura das obras de antigamente, mas para um grupo cada vez mais próximo das três décadas de existência (o aniversário celebra-se já para o ano), respira uma força vital espantosamente cativante. Ao ouvir e sentir estas nove malhas – o álbum é curto e coeso, 32 minutos são suficientes para a magia se espalhar –, não há como evitar sorrir e abanar a cabeça, pois podemos orgulhosamente afirmar que sim, os Korn ainda têm algo de (muito) relevante para oferecer. E a oferta aqui, pasme-se, é possivelmente o melhor disco deles desde Untouchables.
A grande novidade acaba por ser a ligeira mudança de tom, pois pela primeira vez no universo temático do grupo há luz a penetrar na escuridão agonizante, uma pequena onda de esperança à qual Jonathan Davis se agarra consciente de que a angústia pode voltar a qualquer momento, como se espreitasse de modo sorrateiro para poder atacar de surpresa (o próprio homem pressente e teme a sua chegada, não se chamasse a última faixa “Worst Is on Its Way”). Um otimismo algo neurótico, talvez, mas admirável para alguém que desde sempre nadou, praticamente sem descanso, nas águas instáveis do seu próprio tormento.
No campo vocal, Jonathan permanece intocável, bastando escutar, por exemplo, os sublimes urros viscerais e simultaneamente requintados, espécie de raiva feroz servida com elegância, em “Start the Healing” para se confirmar que o carismático vocalista ainda não perdeu o toque mágico do seu registo inconfundível, aquele em que a intensidade emocional se reveste de tons teatrais sem alguma vez deixar de soar incrivelmente genuína. Na verdade, todo o álbum parece ter vindo diretamente do coração e isso torna-o puro e “real”, pois sente-se mesmo que os Korn gravaram exatamente o disco que queriam gravar nesta altura do campeonato.
Mas voltemos a “Start the Healing”, pois revela-se imprescindível analisar com cuidado esta preciosidade: reside aqui, imortalizada para todo o mundo ver, uma das mais entusiasmantes malhas que o veterano coletivo californiano lançou nas últimas duas décadas, comparável a certos êxitos do seu período áureo (que, perante tal demonstração de inspiração, parece estar novamente a decorrer, numa espécie de segunda golden age criativa altamente excitante).
Efetivamente, tudo flui de forma excecionalmente orgânica, com instrumental e vozes a trabalhar em equipa para chegar a bom porto e a prestação de Jonathan, claro, a constituir a cereja no topo do bolo. Os berros guturais abraçados a um tom sufocante e “nervoso”, sempre prestes a rebentar sem nunca realmente chegar a explodir, são de tal forma irresistíveis que só apetece voltar atrás para os ouvir em loop num ciclo eterno de felicidade; todavia, o groove esmagador das guitarras, sobretudo no final – e aqui falamos daquele groove à Korn, cheio de pujança, peso e uma classe invejável (porque tudo o que fazem nunca é somente negro e decadente, tem também um charme palpável) –, é igualmente alucinante e inspirador, motiva e atrai de forma praticamente instantânea.
O melhor, ainda por cima, é que existem mais momentos desses, sendo que “Penance to Sorrow” é um deles: divinal (aquele riff inicial parece ter nascido nas sessões do mítico Issues, remetendo para o andamento e feeling de “Falling Away from Me”), emocionante e vibrante, liberta paixão e “fogo” por todos os cantos, é melódica mas poderosa, e se tivesse sido lançada em 1999 seria hoje um dos maiores hinos da geração nu-metal. Só o nega quem não quer abrir os olhos, honestamente. Em “Disconnect”, por outro lado, a distorção das guitarras exibe um sabor diferente, igualmente delicioso mas de natureza contemplativa e atmosférica, recordando até a melodia de “Insane” antes de evoluir para um universo que traz consigo aromas do excelente Untouchables, nomeadamente aquela aura densa mas etérea, introspetiva mas também vigorosa.
“Lost in the Grandeur” é outra composição de alto nível e, curiosamente, a ocasião em que os Korn mais se aproximam do som que os definia quando se apresentaram pela primeira vez ao mundo. Se a primeira parte se situa, até certo ponto, nos ambientes típicos de Issues, mais à frente recupera-se aquela atmosfera inquietante, doentia e tétrica que emergia quando se escutava um álbum como Life Is Peachy. Claro que não tem a mesma potência, porque eles, pura e simplesmente, já não são essa banda, mas pode olhar-se para esta passagem, especialmente o timbre maníaco e esquizofrénico de Jonathan, como um fugaz retorno à identidade espetacularmente assustadora, tenebrosa e distorcida que outrora assumiram entre 1994 e 1996, quando o produtor Ross Robinson arrancava o que de mais visceral e arrepiante vivia neles – terapia dolorosa, sem filtros, com vista a atingir a catarse. No fundo, um breve reconhecimento ao passado brilhante que tornou possível a criação de um futuro risonho.
Por esta altura, já devem ter reparado nas múltiplas referências aos álbuns Issues e Untouchables, e a verdade é que tal opção está longe de ser coincidência. Em muitos aspetos, Requiem constrói a ponte entre as duas obras lançadas num espaço de três anos (1999 e 2002, como o tempo voa), o que não quer necessariamente dizer que se esteja perante o já batido “regresso às origens” ou mesmo o "sucessor lógico” desses dois discos, como se com essa afirmação se sugerisse algum tipo de obrigatoriedade na linha temporal de lançamentos. O que aqui se observa é um grupo a ser livre e a fazer o que mais deseja, sem qualquer tipo de pressões exteriores a acorrentá-lo. Se há diversos momentos que relembram o passado – e há claramente imensos, sendo que apenas em “Hopeless and Beaten” se vislumbra uma inesperada veia hardcore particularmente potente –, isso é porque os Korn são mestres incontornáveis do estilo que popularizaram, pelo que se encontram no direito de brincar com a fórmula que tão bem aperfeiçoaram – como quando Jonathan, na derradeira música, recupera as onomatopeias guturais típicas de “Freak on a Leash”. Uma proposta fortíssima!