Já se perde a conta aos álbuns que já cantam na tão vasta e multifacetada carreira dos nova-iorquinos Krallice. O quarteto, apesar de nunca se ter aventurado em grandes investimentos de digressões mundiais ou a colaborar com editoras de alcance intercontinental, já é mais do que reconhecido e louvado nos circuitos do underground americano e europeu. Junto desde 2007, o grupo formado por Colin Marston, Nicholas McMaster, Mick Barr e Lev Weinstein já não tem mãos para segurar tanta criatividade, algo que chegou a ser questionado durante os três anos de espera entre o muito venerado black metal cósmico de Years Past Matter e a mutação espástica avant-garde de Ygg Huur. Desde este último, a expansão criativa, inspiração e imaginação do quarteto caminha sem qualquer rival, contando com nada mais nada menos do que OITO lançamentos, entre álbuns, EPs e colaborações – excluindo as várias miscelâneas de remasterizações e álbuns ao vivo. Tendo em conta que todos os membros (sem exceção) vivem também num mundo de milhares de projetos paralelos (mencione-se Dysrhythmia, Woe, Edenic Past, Encenathrakh, Beastlor e muitos mais), todos eles bem ativos e de recomendação, é de sublinhar que, se as ideias e a inspiração mudaram de alguma forma, foi sempre para mais!
O último checkpoint dos Krallice passou pelo disco de isolamento em pandemia Demonic Wealth, do ano passado, gravado e misturado totalmente à distância. O seu plano sonoro, que apresentou uma viragem com muitas ideias melódicas e estéticas extremamente interessantes, acabou por padecer no esquecimento pela necessidade de uma moldura reverberante realmente imponente e musculada. Crystalline Exhaustion deseja continuar este novo capítulo de tonalidades, mas com o devido e merecido upgrade no processo de gravação – totalmente facultado pelo próprio guitarrista Colin Marston no seu estúdio Menegroth the Thousand Caves. Recorrendo a uma nova afluência de dungeon synths e vários outros sintetizadores, denota-se uma lufada de ar fresco a contrastar com o pano de fundo pesado em frequências baixas e tons mais graves, faceta essa que se mostra imediatamente na inaugural “Frost”. As correntes de ar gélidas sentem-se nas batidas compassadas dos floor toms, bem como no surgimento dos sintetizadores em companhia do baixo.
Vivenciar este entrelaçar de cordas, sons e texturas pode parecer excessivamente sobreposto, mas a distinção é clara como o dia e as camadas dão tanto, mas tanto, à paisagem que é impossível imaginar este ecossistema sem esta interação. Os papéis dos instrumentos surgem ligeiramente alterados, com o habitual guitarrista Mick a focar-se no baixo, e com o habitual baixista Nicholas a trabalhar na guitarra. É interessante observar o quanto a banda cresce com estas pequenas, mas enormes, mudanças químicas. Muito mais power chords, menos riffs encavalitados e labirínticos, menos blast beats e muito mais espaço para respirar. “Telos” e “Heathen Swill” assumem-se como autênticas montanhas do Alaska, elevando-se pelas alturas das baterias em espiral e com umas linhas de baixo montanhosas e de tons assombrosos (inveje-se este tom!). O encorpado e castigador ambiente ártico é impiedoso e leva-nos ao limiar de uma hipotermia de subconsciência gelada.
As últimas duas pontuações, “Dismal Entity” e a extensíssima “Crystalline Exhaustion”, mostram a banda em pico de forma. Com a primeira a armar grandes planos de levitação sonora, esta emoldura-se como uma pintura clássica, com um banho de cores, formas e expressões. A última, por sua vez, transcende além de qualquer termo, palavra ou nome que tente fazer o mínimo de justiça em descrevê-la. Finalizando-se quase como um parceiro espiritual da vastíssima e calorosa “Monolith of Possession”, a exaustão cristalina responde no seu cerne ao frígido inverno em ascensão. Aqui, o sentido de melodia, escrita e expansividade ganham uma dimensão nunca antes vista na carreira da banda. É de sublinhar o poderio que esta rapaziada aqui alcançou neste fecho, como um brinde digno a tudo aquilo que o percurso dos Krallice tem vindo a afirmar.