Depois de três anos sem novos registos de longa duração, já que Salad Days reporta a 2014, e após o mini Another One de 2015, eis que Mac DeMarco nos faz chegar mais uma caixinha de surpresas arquitetada no seu estúdio caseiro, cantada e executada num género despretensioso, ainda que cuidado e pensado.
O contacto inicial com This Old Dog deu-se com o lançamento da faixa título e do seu enigmaticamente hipnótico vídeo-clip, fazendo já antever uma produção algo diferente das que nos tinha trazido até aqui. Importa referir que, sendo a primeira faixa a ver a luz do dia, criou toda a especulação possível e imaginária uma vez que quer a parte lírica, quer a parte melódica (especialmente a entoação com a qual as palavras eram postas ao serviço do instrumental), sugeriam um trabalho mais maduro e talvez menos soalheiro.
Com acesso ao panorama completo a opinião modela-se e a euforia de 2 com as suas maravilhosas “Freaking out the Neighborhood” ou “Dreamin’“, persiste apenas na memória e deixa saudades. Nunca será possível distanciar DeMarco da energia com que banqueteou os fãs no primeiro álbum. Dois grandes temas parecem intersectar o alinhamento do álbum. Se por um lado a figura paternal ausente está bem presente num punhado de faixas, desde a forma direta e inegável em “My Old Man”, até à sugestão de despedida em “Moonlight on the River”; por outro consegue sentir-se o peso da existência, da vida quotidiana e das relações, que já havia sido manifestada em Salad Days, na faixa “Passing Out Pieces”.
Chega-nos um Mac menos otimista, possivelmente mais gasto pelo processo de composição e divulgação do seu trabalho (e talvez pela própria vida), com menos arranjos de guitarra a recuperar tardes ensolaradas e uma bateria menos preponderante. A sonoridade mudou, mas a qualidade lírica ficou. Com uma boa capacidade de escrita e letras que não sendo intrincadíssimas, deixam margem para pensar, reconhece-se o mesmo rapaz de sempre no seu uso do inglês cantado. Só se lamenta a ausência dos seus solos instrumentais. O aviso de mudança, que tinha sido feito já a propósito da distância entre 2 e Salad Days, veio agora firmar-se.
A utilização de sonoridades com texturas estratosféricas é talvez a nota melódica mais forte que se pode tirar. Em “For the First Time”, as notas sonhadoras levam a esperança no regresso dela a um novo patamar (a eterna fonte de inspiração, a namorada Kiki). Sonhar é sempre o refúgio, ainda que em “Dreams from Yesterday” o sujeito poético seja puxado para baixo, porque nem sempre a vida pode ser repleta de aspirações. A bossa-nova (novidade nos trabalhos de Mac), acompanha aqui as constatações de que “Once a Dream/ Is finally put to bed/ Rest up sleepy head/ Might well be dead”. Dramático? Não, realista. E como seria de esperar, este novo nicho sonoro não tem filha única no álbum, surgindo de forma menos característica e mais repetitiva em “My Old Man”.
Existem, ainda assim, temas libertadores. Temas mais alegres, se assim lhes quisermos chamar (em termos melódicos pelo menos). Em “A Wolf Who Wears Sheep Clothes” ouvimos harmónica, temos arranjos menos cinzentos (ainda que a música não traga uma mensagem propriamente propícia a tal). É o peso da individualidade que se vive por estes dias. E é essa mesma individualidade que carrega os ombros de Mac em “On the Level”: “Stand up like a man / Even from the underside”. Será alusão às expectativas que sempre caem sobre todos nós?
A amálgama romântica deste trabalho está viva em “One More Love Song”, ainda que sob forma da desconstrução do processo de construir, para ver colapsar mais tarde ou mais cedo. Melodicamente muito consistente e interessante, é a melhor música de todo o registo. Demarco romântico. Demarco o galã de boné e jardineiras.
Fica a perceção geral de um artista em crescimento, mas também de uma pessoa em evolução. Pela parte do artista fica a sonoridade mais sóbria e menos dada a aceleração, a produção mais equilibrada. Pelo lado pessoal e humano a dificuldade em integrar um modelo familiar complexo, uma figura paternal intermitente, o reconhecimento de repetição de padrões menos recomendáveis (vincado na componente lírica de “My Old Man”), e a luta por ser melhor.
Estaremos em presença de um cantor masculino icónico de uma geração? O tempo o dirá. Não lhe falta pitada daquilo que outros antes de si tinham e deram aos seus fãs. Nem o amadurecimento progressivo, sem ficar preso à energia adolescente, nem a reflexão sobre os temas que inquietarão sempre o coração humano: família, amadurecimento, amor.