Muito mudou na vida de Phil Elverum desde 2008, o lançamento da primeira parte deste Lost Wisdom Pt. 2.
Onze anos deixam muito espaço para criar, para lutar, perder e seguir em frente: teve uma filha em 2015 com a sua companheira de longa data, a quem lhe foi diagnosticado cancro do pâncreas no mesmo ano. Phil chegou a criar uma página na GoFundMe para pedir ajuda no tratamento caro, mas Geneviève acabou por morrer um ano mais tarde.
A viagem solitária e ferida que começou a partir de então, enquanto criava a pequena Agathe, ficou registada em A Crow Looked at Me, de 2017, e no subsequente Now Only, que trouxeram alguma da sua música mais desoladora e dois dos seus álbuns mais conceituados.
Em “Belief”, a primeira música de Lost Wisdom Pt. 2, Phil proclama “Out of nowhere love returned”; o ano passado o músico de Anacortes e a atriz Michelle Williams (essa mesmo!) casaram-se em segredo e cedo muitos começaram a desenhar os paralelismos trágicos que os levaram a ser mãe e pai viúvos (saiba-se que Michelle Williams tem uma filha de catorze anos do falecido ator Heath Ledger, que morreu em 2008).
É uma introdução hesitante, como se Elverum se estivesse a mentalizar para o quanto de si vai voltar a deixar ao longo de um álbum, parando três vezes de tocar antes de começar a tratar o conceito de crença, aqui mais universal, sendo que o revisita na música de fecho, “Belief Pt. 2”, numa perspetiva mais aplicada à sua situação presente. Neste álbum, a literalidade da narrativa dissipa-se, ampliando-a a realidades mais abrangentes, mais relacionáveis, sem perder a visão tão pessoal das pequenas coisas a que nos acostumou.
“Enduring The Waves” começa em Nova Iorque, onde Elverum vivia com a nova mulher (“On the subway in New York City, back when you were my home not that long ago”). Seis meses depois da cerimónia, Michelle Williams separava-se do vocalista, que dirige agora a sua sensibilidade e música para o divórcio e o amor perdido.
Elverum volta a enfrentar a perda, mas enquanto que a morte deixa claro o caminho a seguir, uma relação que se desmorona só desaba uma ponte entre duas pessoas que continuam aqui, e com elas a esperança e inúmeras possibilidades.
Lost Wisdom Pt. 2 é uma viagem por terrenos irregulares (“And let an old idea of love dissipate back into formless rolling waves of discomfort and uncertainty”), devoção (“We could swim, we could dissolve there. I love you. I am for you.”), uma reminiscência melancólica (“Oh my God, when we swam together for a little bit “) e um idealismo otimista (“Because I know who you are and that the world we could share, the one we lived in for a moment, still lies fertile in the dark”).
A presença de Julie Doiron é reconfortante por vir acompanhar a voz solitária do vocalista e a instrumentalização desamparada, deixando-nos com a ilusão de que Elverum não está sozinho enquanto sai dos museus ou se lembra de quando era um jovem ingénuo que desejava a chegada de calamidades. A voz da Canadiana é orgulhosamente frágil e chega mesmo a quebrar em diversas ocasiões, espelhando a vulnerabilidade tão patente nas letras de Elverum (“Can I bear the uncertainty that arrives on the wind that came in through the door?”).
Musicalmente, o estilo ao qual já se referiu como “por pouco música”, devido à escassez de adornos para além da sua voz e guitarra, continua a aplicar-se, e é esta restrição quase estóica que torna momentos como as notas soltas de piano no início de “Belief”, a súbita distorção da guitarra que separa as duas metades da mesma música ou o arranjo que acompanha o crescendo da percussão em “Love Without Possession” verdadeiramente gratificantes.
No primeiro single do álbum, “Love Without Possession”, pergunta: “What would be the use in becoming a symbol of walking desolation? Awash in multiple griefs, elaborating on anguish”. Elverum deixa claro que já não quer ser o músico mais triste do planeta, título que já lhe tinha sido atribuído pela imprensa.
Ao invés disso, como nos mostra em “Belief Pt. 2”, escolhe levar uma fogueira onde quer que vá, na esperança de voltar a aquecer o sentimento da outra parte. Esta chama patente na capa do álbum é acompanhada por uma citação do primeiro single: “Rose petals were blustering”, referindo-se ao desabrochar das flores, que espelham o nascer de um sentimento que agora não tem recipiente.
Esta música final é o planalto de onde Elverum escolhe não descer. A esperança vence, surgindo depois de cada adversidade (“Now I walk to the edge of delusion. Divorced and estranged, staying back with my parents. I believe though”). A libertação da incerteza é reafirmada pelo uso maioritário do piano ao qual o artista normalmente recorre pontualmente.
O percurso iniciado em “Belief” foi acidentado, mas não lesou a fé de Elverum no amor. Já passou pelo suficiente para conhecer a força inata do ser humano para se adaptar, para continuar, não só a sobreviver, mas a ver beleza em caixotes deitados ao chão, nas constelações, em fogueiras no campo, a amar. É esta a sabedoria perdida que Mount Eerie quer deixar à sua filha, e quanto lhe temos a agradecer por nos ter permitido ouvir.