O ano é 1996. O Big Show SIC está no seu apogeu mediático e o João Baião encontra-se em delírios energéticos constantes. O programa dá-nos a conhecer um país de artistas alucinantes, regionalmente psicadélicos. O ano é 1996, e do outro lado do Atlântico um jovem Kevin Barnes cria os of Montreal. Não haverá casualidade entre uma coisa e outra, e muito dificilmente Kevin saberá quem foi o Macaco Adriano. Então porquê começar este texto com tão distante e aleatória referência? Bem, em 2020, 15 álbuns depois, a banda americana lança o seu álbum Big Show SIC: pura diversão!!!!
UR FUN é o mais recente trabalho dos of Montreal, e o seu nome não pretende enganar ninguém. O álbum transpira boa disposição e energia. Mas voltemos um pouco atrás, não aos tempos das referências descabidas, mas aos últimos álbuns de Kevin e companhia. Quando pensamos neles, as primeiras impressões que nos saltam à mente é o de pop psicadélico, distorcido e alucinante. No entanto, e se olharmos para os predecessores do álbum de 2020 – nomeadamente Innocence Reaches e White is Relic/Irrealis Mood –, podemos notar um paulatino afunilamento para um som menos arisco e mais aprumadinho. O sucesso de músicas como “Paranoiac Intervals/Body Dysmorphia” e “it’s different for girls” fez disparar em Kevin um desejo de encontrar uma fórmula musical entre a experimentação e a simplicidade, sem colocar em causa a criatividade e a diversão.
Surge assim UR FUN, o álbum mais “fácil” da banda até à data. Como já dito anteriormente, o nome não engana, e logo na primeira faixa somos afogados num universo de revivalismo pop. De facto, Barnes expressou descaradamente em cada uma das faixas influências pelo pop dos anos 80, de Cindy Lauper a David Bowie. Chamemos-lhe revivalismo psicadélico. Freak, mas catchy. As faixas estão bem conseguidas, e apesar de almejarem alguma simplicidade, não perdem o traço distintivo de criatividade e irreverência que as caracteriza. Cada ritmo é efervescente e único, e mais uma vez Kevin Barnes consegue no meio de toda a confusão sonora prender e divertir o ouvinte nas suas histórias. Estas últimas atingem uma dimensão verdadeiramente pop, a seguirem uma fórmula de a-b-a-b, o que permite ao ouvinte decorar e cantar facilmente cada uma das músicas.
Outro aspecto fundamental a referir sobre o álbum é a ausência de coesão e fluidez entre as faixas. Apesar de ambicionar o revivalismo experimental, as composições resultaram num álbum em três atos claramente distintos. Se no primeiro temos o pop feliz e explosivo, o segundo tenta percorrer uma versão baladeira e apaixonada do género. Soa desinspirado e estranho e afasta o ouvinte do álbum. No entanto, uma outra viragem acontece, e os of Montreal enveredam para uma abordagem mais bowieana, elevando UR FUN ao seu expoente. Apesar de as faixas não serem fluídas entre si, a forma como cada uma cresce é-o, e canções como “Deliberate Self-harm Ha Ha” são autênticas obras-primas. Enquanto se mantêm fiéis ao propósito do álbum em que se inserem, e homenageiam o passado, são inovadoras e levam-nos a esse passado. Na faixa em questão, somos teletransportados para as bases da americana até chegarmos a um patamar futurista que faria envergonhar algumas tentativas dos Tame Impala.
No fim de contas, UR FUN é um dos álbuns de mais fácil digestão por parte dos of Montreal, e devido a isso, é também dos mais esquecíveis. Apesar de bem conseguido, sem falhar na produção ou no conceito, soa-nos pouco desafiante e cativante, e a culpa é da própria banda que nos habituou a exigir isso dela. Apesar de tal, não deixa de proporcionar aproximadamente uma hora de histeria e boa disposição. Portanto, Dona Albertina, não vá fazer já o seu xixizinho: suba o volume e dance, dance, dance.