Profound Lore foi um dos nomes que mais percorreram a boca do povo em 2017. Nesse ano não faltaram lançamentos de grande gabarito e prémio com a etiqueta da editora de Chris Bruni. Apesar do passado ano ter sido o mais bem sucedido da editora, esta tem vindo a trazer, desde 2004, nomes do metal extremo que merecem a exposição. A sua ética de trabalho e filosofia artística agraciou a audiência com inúmeros projetos como Leviathan, Krallice, SubRosa, Cobalt, Bell Witch, Altar of Plagues e muitos outros. Fora as grandes promessas no metal, também encontramos ocasionais trabalhos que sublinham a variedade e ecleticidade do próprio Bruni: Dälek, Prurient, Black Mecha, KEN Mode e Worm Ouroboros, que navegam estilos estrangeiros ao metal como power electronics, hip-hop, noise rock e muito mais.
Ao longo destes últimos anos, tem-se sempre incluído dois ou mais lançamentos com a etiqueta da Lore nas listas do final de ano, e agora que 2018 está prestes a arrancar, fazemos questão de acompanhar o catálogo do inicio ao fim com atenção acrescida. Que melhor oportunidade de o fazer, senão com um dos álbuns de death metal mas aguardados do ano? Portal, ION. Estes australianos têm segurado desde 2003 a tocha da nova vaga de death metal, vaga esta que abraça uma série de filosofias acrescidas e rejuvenescidas que ajudam a converter a ideia, há uma década normalizada, do death metal. Dito isto, e tomando em conta que cada banda desta new wave encara os meios de formas diferentes, no caso de Portal, as sonoridades sempre foram desconfortáveis, contando com as excêntricas estruturas de escrita e o raciocínio quase anti-natura a enfrentar os métodos de execução e transição.
Sendo inquestionavelmente uma das peças centrais do catálogo da Profound Lore, é natural ver tanta atenção à produção, imagem e estética dos álbuns. Mesmo com uma consistência intocável, a natureza de Portal sempre foi e sempre será extremamente subversiva. Só por isso, é-se necessário encarar ION com a mente em ângulo obtuso e com uma disponibilidade mental redobrada. Com a primeira audição, tenta-se observar o panorama à distância, e tentar definir um foco específico para o som geral, que muito francamente, está bem conseguido. As guitarras gritam como berbequins a massajar flancos endurecidos de calçada, a voz é sem dúvida algo que ainda pede algum treino de ouvido, tal como a bateria que se alicia no conforto da variação constante. Imaginando as ondas de som, ininterruptamente a navegar entre altas e baixas frequências, a paisagem é extremamente avassaladora e cortante, como um espelho partido ou porcelana estilhaçada. O som não é para qualquer um, mas dentro daquilo que seria de esperar dos australianos, este é um plus muito ameaçador.
A falta de miolo e músculo, algo que se encontra em grande dimensão em projetos semelhantes como Altarage e Ulcerate, é capaz de desligar o ouvinte mais desabituado. No entanto, ponderando já as subtilezas em todas as faixas, consegue-se dividir o álbum entre momentos bem conseguidos, memoráveis e simplesmente fracos. Faixas como as que se verificam no primeiro terço do álbum, são o standard de puro génio da banda. É nestas que se encontra o desafio saudável de apreciar a singularidade do som portalesque, onde no caso da “ESP ION AGE”, destaca-se uma monstruosidade sónica, cuja dissonância nas guitarras consegue distribuir o balanço de força ao longo das progressões desalmadas. Estas dão-nos a constante sensação de claustrofobia e de estar no centro de um ciclone eviscerado de pura raiva. A continuação com “Husk” e o primeiro single do álbum “Phreqs”, desenvolvem desenhos de hostilidade instrumental, compondo camadas e conectando sub-camadas entre implosões transitórias sempre imprevisíveis. Quer seja nas variações, nos build-ups ou na distorção de soldadura a pingar feridas abertas, há sempre algo que gravita o ouvinte para o centro da força de Portal.
Sublinha-se com todo o carinho, o impacto que “Revault of Volts” e “Phantom” causaram, pois é nestas faixas que se encontra o momentum cru da banda a abraçar alguma acessibilidade e frontalidade nas progressões despidas. É também nestas que a banda apanha porções muito memoráveis ao brindarem o ouvinte com ciclicos torniquetes a la Morbid Angel, e com transições mais musculadas. Irónico ou não, é quando a banda mais se distancia dos seus maus hábitos que melhor é consumida a sua grandiosa moldura. A imensidão da sua presença só é denotada quando os blasts intermitentes se formam como êmbolos hidráulicos que, ao aprumar a força da cavalagem, ajudam as estruturas a ganhar direção, ao invés de recair na mesma coordenada com a mesma oscilação, como as faixas menos conseguidas.
Infelizmente, o sucesso perdeu o balanço com algumas faixas pouco satisfatórias, senão completamente falhadas. Poderá ser algo que somente os menos aficionados da banda podem sentir, mas quer seja geral ou não, a fórmula para uma faixa bem conseguida sempre se manteve na permanência enquanto esta fizer sentido. Caso de “Crone”, “Spores” e “Older Guarde”, esta última sendo a mais extensiva do registo e que serve para encerrar a sessão, marcam todas uma tentativa falhada de alcançar algum equilíbrio competente. Infelizmente, notando-se nestas alguma ausência sólida de substância, pecando por recorrerem demasiadas vezes à mesma postura, fica impedido um resultado final, louvável ao álbum. Como se tem vindo a dizer ao longo do texto, esta é uma banda que pode sempre ser sujeita a estudo pelos mais desconhecidos, portanto é uma impressão que pode variar, mas objetivamente, não fosse por estas valências na consistência, o álbum teria sido grande e bem conseguido, como tal, sobra aos ouvintes poder balançar os positivos e negativos. Espera-se, no entanto, que não haja indiferença perante os vários momentos de descarga iónica, dignos de louvor.