Críptico. Que repousa, que vive nas criptas. Subterrâneo, oculto. Difícil de perceber ou de interpretar. Talvez seja mesmo esta a melhor definição para Sermon e o seu primeiro trabalho. Quem são (ou quem é)? De onde? Qual a motivação? Todas estas questões clamam por resposta e a intensidade do seu clamor é proporcional à qualidade do disco, ao que ele nos faz sentir, aos temas sobre os quais nos impele a reflectir, ao profundo apelo a ambos os lados racional e emocional. Com algum trabalho (e muita internet!), algumas das respostas a estas perguntas foram lentamente sendo reveladas. Sabemos que é um projecto individual, que por agora aposta no anonimato, é londrino, e conta com a participação de James Stewart (Vader) na gravação da bateria. De acordo com a página oficial de Facebook do artista, o álbum tem como motivação o processo que acompanha a doença terminal do pai, envolvido num ambiente hospitalar profundamente religioso, convidando a uma reflexão teológica ponderada, na qual Sermon, assumidamente não religioso, não toma (dentro do possível) nenhum lado em detrimento de outro. Embrulhado em 41 minutos de luxo, num registo progressivo sem exageros nem redundâncias, Birth of the Marvellous é um daqueles tesouros que nos enchem de orgulho por serem “nossos” desde o nascimento.
A faixa inaugural do álbum começa com o 5/4 mais fluído do ano. Em “The Descend”, o exótico compasso é tão natural, tão bem talhado, que é necessário ligar o interruptor de formação musical para percebermos que o que de facto está a acontecer requer uma mestria fora da normalidade. Este aperitivo de 4 minutos é um grito de proficiência e nele temos contido muitos dos recursos estilísticos utilizados no disco. Vocalmente irrepreensível, apostando num registo limpo alternado com gritos corais, guitarristicamente poderoso e ponderado. Seguem-se “Festival” e “The Drift”, levando tudo à frente com refrões fulgurantes, próprios para coro em concerto, e com a primeira aparição da voz mais rasgada no final, criando espaço para “Contrition”, claramente a faixa mais pesada do disco. Aqui é sempre a abrir do princípio ao fim, fazendo valer o desconforto do trítono e abusando do matraquear do pedal-duplo. Harmónicos de palheta, riffs de corda solta, mais growl e mais ambiente sinistro.
A segunda metade de Birth of the Marvellous começa com “Chasm” e escutamos ao fundo uma guitarra melancólica que se move inquieta de um lado para o outro da panorâmica. A voz comprimida guia-nos para a derradeira proclamação: “It’s only a question, a question of faith.” Suportados pelos timbalões de James Stewart, somos presenteados com um calmo coro profético, terminando com um amargo travo a melancolia. As duas faixas finais, “The Preacher” e “The Rise of Desiderata”, catapultam um já excelente disco para o pódio das revelações do metal progressivo. Na primeira surge um riff de baixo que invejaria os próprios Tool e que é complementado com uma linha vocal a lembrar os saudosos Fair to Midland. Tudo isto feito de uma maneira muito própria, em que as referências são pequenas homenagens e nunca cópias ou imitações baratas. O tema tem várias nuances durante os seus 7:34 minutos e o final é claramente apoteótico. Se o álbum aqui terminasse seria também uma obra inestimável. Mas não. Sermon guarda o ex libris, o crème de la crème, para o final. O próprio título é mais do que bem aplicado, pois “The Rise of Desiderata” é mesmo tudo o que desejamos de Sermon. Aqui temos um compêndio da viagem sobre o que é Birth of the Marvellous temperado com novos condimentos, novas orquestrações e nuances. As ideias base do disco estão nesta faixa, compiladas e apresentadas de uma forma que nos assegura que o artista se consegue auto-referenciar com qualidade.
Muitas comparações foram (e serão) traçadas. Semelhanças com Katatonia, Tool, Soen, Porcupine Tree? Sim, as referências estão lá, mas são apresentadas por alguém que estudou a história do metal progressivo e que, após estudada a lição, se metamorfoseou em algo diferente. Num ano que, apesar de ainda recente, se tem já revelado um bálsamo delicioso para os amantes do prog, Birth of the Marvellous descola do anonimato directamente para o topo, entre os melhores, onde merecidamente é o seu lugar.
Nota: Este autor utiliza o Antigo Acordo Ortográfico.