Estávamos no meio do verão de 2003 quando os SikTh abriram de rompante a Caixa de Pandora do metal matemático progressivo, libertando uma torrente demoníaca de ideias musicais inovadoras e arrojadas, seminais na definição de um estilo que floresceria mais tarde em peso, moldando bandas como Periphery, Protest The Hero e Tesseract. Passaram catorze anos desde The Trees Are Dead & Dried Out Wait for Something Wild, lançamento de estreia do sexteto de Watford, e o panorama de aceitação deste tipo de estilo alterou-se radicalmente. Pelo meio, a banda produziu mais uma obra-prima, Death of a Dead Day em 2006, refugiou-se e partiu-se num hiato de seis anos em que vários elementos se dedicaram a projectos laterais (Aliases, Primal Rock Rebellion, Sol Invicto, The HAARP Machine). O projeto reuniu-se novamente em 2014, e abriu mais uma vez as hostilidades com o excelente EP Opacities em 2015.
Mas afinal, o que é que torna SikTh numa voz tão expressiva e singular? Tudo. São o pacote completo, com um reluzente embrulho exterior e um valioso conteúdo interior. A dupla de vocalistas, Mikee Goodman e (desde a saída de Justin Hill) Joe Rosser, personificam na perfeição o dualismo polícia bom/polícia mau, explorando todas as possibilidades criativas do stereo, narrando e navegando através dos tempestuosos mares instrumentais. O baixo de James Leach, que num piscar de olhos passa de um tapping harmonioso para um slap agressivo e bombástico, as guitarras de Graham “Pin” Pinney e Dan Weller, que figuram em lugar de destaque no almanaque de estilo de qualquer guitarrista da cena do metal progressivo, e a bateria de Dan “Loord” Foord, que aglutina toda esta musicalidade aparentemente desconexa e lhe confere um aspecto arrumado e sincronizado à semifusa.
Todo este contexto histórico posiciona a barra de qualidade num nível muito elevado, mas The Future in Whose Eyes? está, pelo menos, ao nível dos trabalhos anteriores da banda. Produzido pelo guitarrista Dan Weller e masterizado e misturado por Adam “Nolly” Getgood (Periphery) o disco de doze faixas conta pela primeira vez com a contribuição de um músico exterior ao grupo, o incontornável Spencer Sotelo, “whose voice goes up like an angel and down like a wounded ox”, também dos Periphery. Os apetites foram previamente aguçados com “Vivid”, “Golden Cufflinks” e “No Wishbones”, e o seu lançamento antes do tempo deixou os fãs e aficionados a salivar por mais.
É precisamente por “Vivid” que o ouvinte começa a experiência auditiva, pontapeado e enxotado para todos os lados por uma linha introdutória de slap crocante e um riff maluco viciante. O duo de vozes entra finalmente ao serviço e somos novamente transportados para o início do milénio e para aquele sentimento interior em que nos perguntamos, atónitos, “Que caralho de bomba é que acabou de me atingir?”. O refrão está num ponto melódico sem ser cheesy, e o tema termina com uma redução agressiva de bpm’s que espanta e impressiona o quão natural soa. A vontade é de voltar atrás e ouvir tudo de novo, as vezes que tiverem que ser. No entanto, a curiosidade é muita e um pequeno deslize de segundos é o suficiente para ficarmos agarrados a “Century of the Narcissist?” e não ser mais possível inverter a marcha. É a escolha certa: sangue a bombar mais intensamente, harmonia de aceleração cardíaca e adrenalina, choque de notas e finalmente uns segundos de limpeza e paz, rapidamente trucidada pelo regresso do ambiente inicial.
“The Aura” completa o trio de faixas iniciais de álbum mais bem conseguido dos últimos tempos. Contrastante com as duas anteriores, o refrão é dos mais poderosos do trabalho e a crescente altercação de dinâmicas é hipnotizante. É a prova de fogo do novo vocalista Joe Rosser e o veredicto é mais do que positivo. A poesia foi sempre uma característica muito própria da banda, fazendo valer as enormes capacidades declamatórias de Mikee Goodman, e este álbum não é exceção, com exemplos como “This Ship Has Sailed”, “The Moon’s Been Gone for Hours” e “When It Rains”. A mensagem é passada, a interrupção temporária do caos musical é intencional e eficaz.
“Weavers of Woe” abre com a força toda, duelo de vozes de um lado para o outro, Goodman no seu growl tresloucado e Rosser à altura, e a muita aguardada “Cracks of Light” entra finalmente em cena. É nobre a colaboração entre a banda e Spencer Sotelo, sem preconceitos nem superioridades morais tecidas pela fama recente, e o resultado é o que se esperava e mais até: o tema flui espetacularmente, condensando em quatro minutos e pouco, muitos dos argumentos estéticos do metal progressivo que se pratica nos dias que correm.
O paladar sonoro dos mais cépticos poder-se-ia revestir de abafadores retóricos e apostar, num período prévio à audição do novo trabalho, no argumento de que “estão ultrapassados”, “deixaram o comboio passar” ou simplesmente “já não há nada para inovar”. É falso. Ninguém ficará desiludido com este trabalho: quem os conhece bem, quem os conhece mal ou quem não os conhece de todo. É reconfortante ter SikTh de volta ao leme do navio e espera-se ansiosamente por novos contributos e concertos. Sejam bem-vindos de volta!
Nota: Este autor utiliza o Antigo Acordo Ortográfico.