Diz-nos o conhecimento básico de geografia que Montreal é o segundo centro populacional do Canadá, e nas nossas mentes torna-se senso comum que vidas distintas cruzarem-se por lá, é obra de aleatoriedade divina. A realidade é que de alguma forma ou outra os Suuns cruzaram- se com Jerusalem in My Heart, e daí surgiu um álbum que em nada se assemelha a qualquer um dos projetos que o compõem: Uns são uma típica banda de indie psy-rock, o outro é um projeto avant-garde de exploração multimédia. Une-os a cidade, une-os o culto que o seu público lhes faz, e acima de tudo une-os uma admiração recíproca, que fez assim nascer em 2015 Suuns and Jerusalem in My Heart.
Para o público português o nome mais facilmente reconhecível seria o dos Suuns, autores do aclamado álbum de 2013 Images Du Futur. Os que procuram encontrar um sucessor de músicas como “Edie’s Dream” ou “2020” não serão bem sucedidos, no entanto em nada sairão desiludidos. Como que um grupo de músicos amigos que se junta e vai forçando cada um dos seus elementos a ir mais longe, o álbum homónimo desta fusão, viaja por um mundo de experimentalismo e tradição transcendental, provando que num mundo saturado de música, há sempre algo novo a aguardar ser colhido. Enquanto os Suuns criam o ritmo das músicas, Radwan Moumneh (Jerusalem in My Heart) vai desconstruindo esses mesmos sons. A fórmula aparentemente simples resulta em algo bastante complexo que pode não conquistar na primeira audição, mas com uma audição cuidada e atenta na quantidade de camadas e texturas de cada faixa percebemos que este projeto em nada fica atrás de trabalhos a solo como o de Panda Bear. “Seif” é um desses momentos de verossimilhança com o Animal Collective que, sendo a terceira faixa, faz parte da trilogia inicial que apresenta o restante álbum. “2amoutul7tirakan” é um dos momentos mais experimentalista do álbum, enquanto “Metal” é o momento mais tradicional (o que não é de todo algo a ser interpretado como mau). Na verdade é este o jogo que se vai jogando de faixa para faixa e em certos momentos de ritmo para ritmo nas próprias músicas, que dá a este álbum a qualidade que ele tem. Entre momentos mais arriscados livres de qualquer dogma musical e sonoridades mais comuns, os auges acontecem quando estes dois aspetos entram em colisão. É o caso de “Gazelles in Flight”, banda sonora perfeita para uma saga sci-fi plenamente sensorial. Joga-se o tempo todo no plano sensorial e esse é o trunfo, mas também a bisca à espera de ser cortada do álbum.
Constituído de génese por uma vibe electrónica, Suuns and Jerusalen in My Heart é aquele álbum que apesar de bom nunca conseguirá fazer-se memorável. De facto, o álbum exige imenso do ouvinte, e colocando-o a tocar negando-lhe a abstração do meio que nos rodeia, torna-lhe impossível fazer-se notar ou causar a sensação de querer repetir. Não obstante, para um qualquer melómano dedicado, que se atire seriamente na audição deste projeto, este é um dos mais ousados e musicalmente consistentes de 2015, tendo o seu lugar reservado numa lista de álbuns a ouvir deste ano.