Soubemos à partida que Currents iria ser um disco do seu próprio desígnio, no sentido em que iria ser diferente de Innerspeaker e Lonerism. Testemunhámos um Kevin Parker a experimentar com elementos eletrónicos e com texturas ainda mais coloridas e influenciadas por vertentes pop e paletes de sonoridades psicadélicas. Alguns ficaram convencidos e imediatamente compraram a ideia, ansiando desesperadamente a liberação do disco, mas a maioria deu um prognóstico bastante mais negativo.
Currents chegou e confirma que Kevin Parker é um homem de aproveitar aquilo que tem. Dêem-lhe um orçamento de “major label” e ele apresenta-vos um som de “major label”. Por muito comprimida e achatada que soe a instrumentação no novo disco dos Tame Impala, tudo parece estar sempre no sítio certo. Exceto que, claro, não está, sendo isto transparente a partir do momento em que Parker pega numa secção de "Let It Happen” e a transforma num insuportável loop, pronto a assentar que nem uma luva numa rave mundana de música EDM.
É verdade que em Currents Kevin Parker comete atrocidades e não escapa a desastres eventualmente inerentes à experimentação. “Let It Happen” já foi mencionada como uma abertura ridícula, com o seu banquete sonoro de pretensiosismo que na realidade apenas se revela como um conjunto de calorias vazias. “New Person, Same Old Mistakes” é tudo aquilo que uma faixa de encerramento não deve ser: anti-climática, sem qualquer nuance alusiva ao suspense e sem qualquer migalha do impacto que deve necessariamente estar adjacente a um encerramento. “Cause I’m a Man” é a definição de uma moderna e lamentável imitação de um Michael Jackson em ácidos. Ah, e a narrativa “slow-motion” em “Past Life” suscita das maiores gargalhadas que um disco até agora me proporcionou neste ano – não devido a conteúdo humorístico, mas devido a toda a sua indulgência e ridiculez.
Contudo, Currents tem os seus momentos de brilho. O psych-funk em “The Less I Know The Better” é contagiante, “Eventually” é uma construção detalhadamente concebida de camadas reluzentes e coloridas que parecem não ter fim, “Love/Paranoia” é uma canção quase tão inocente e adorável como é meticulosamente produzida e perfeitamente conseguida. Já “Disciples”, por muito curta que possa ser (é, afinal de contas, um dos três interlúdios que Currents nos presenteia de bom grado), é uma canção irresistivelmente bombástica que me cativou assim que viu a luz do dia.
Currents é um disco decente. Flui homogeneamente, a sua produção é impecável (a melhor que Kevin Parker alguma vez concedeu a um disco com a sua cunha), tem substância em quantidades razoáveis e dá-nos a assistir ao processo de uma banda a arriscar, a experimentar com novos elementos musicais e a não tentar, de forma recorrente, fazer o mesmo disco duas vezes. Devemos tirar o chapéu ao esforço contido no novo disco dos Tame Impala. Contudo, este disco não deixa de ser o som de crianças a experimentarem novos brinquedos e a estragarem alguns no processo: é adorável vê-los brincar, mas porra, que os brinquedos custaram dinheiro e o ordenado não chega para tudo. Currents não consegue evitá-lo: aparece como um milhão de euros e faz-se sentir como uma nota de cinco.