Tomando a direção eletrónica já antevista em “Beverly Laurel”, afirmada na colaboração com Mark Ronson e carimbada num Currents que elevaria a fasquia, eis que nos chega um conjunto de canções de pop-eletrónica com hints de psicadelismo, bem temperado e coeso: The Slow Rush.
No quarto álbum, Kevin Parker traz um tema central e inegável: o tempo. Desde títulos (do próprio álbum e mesmo de algumas das faixas), passando pela lírica, para chegar aos momentos dentro de algumas das faixas (não marcados por solos ou pausas líricas, mas sim por reais mudanças de andamento e conceção), estamos perante uma obra que eleva a questão da existência de um elemento unificador a novo nível, dentro da discografia Tame Impala.
O momento de arranque do álbum dá-se em março de 2019, com o lançamento de “Patience”, seguindo-se o desfile de “Bordeline”, “It Might Be Time”, “Posthumous Forgiveness” e, por fim, “Lost in Yesterday” (já em 2020). Não restavam dúvidas que as experiências conduzidas por Parker teriam efeitos no novo registo, restava saber até onde iria a atenção ao detalhe de alguém que tem vindo a revelar cada vez mais obsessão com detalhes e questões intrincadas, com texturas e ambientes.
A abertura do álbum, a cargo de “One More Year”, soa como uma espécie de resolução de novo ano: “We got a whole year!”. “Instant Destiny” (referências a tempo: check!) continua o clima de euforia já iniciado anteriormente, com os devidos fade-in, fade-out. “Borderline” contraria a euforia anterior, quer em termos líricos, quer pelo estado de permanente ansiedade do precipício: “We're on the borderline/ Caught between the tides of pain and rapture” (e que tal a secção de pequenos toques eletrónicos, mais uma camada, discretamente adicionada, sobre o single?). Segue-se “Posthumous Forgiveness”, a sua secção de ritmos constante, a sua linha de baixo vincada, sem grandes surpresas, relacionada, segundo o próprio Parker, com a perda do pai. A grooviness do álbum regressa pelas notas de “Breathe Deeper”, seis minutos de texturas, mudanças, avanços.
Os segundos iniciais de “Tomorrow’s Dust” soam definitivamente a um rework saído do penúltimo álbum de King Gizzard and the Lizard Wizard (um dos outros poços criativos australianos da atualidade musical), para depois se transformarem em algo Tame Impala-ish; tudo certo, até mais ver. “On Track” traz aquela que será, porventura, a faixa preferida dos saudosos de Currents (texturalmente ouvindo, liricamente falando). O baixo mais presente, o pseudo space-rock, os tempos dissonantes de “Lost in Yesterday”, que seriam facilmente a perdição de um single, resultam aqui bastante bem.
Sobre “Is It True” regista-se uma passagem algo carnavalesca entre dois dos singles. E chega então o momento de enfrentar aquela que será possivelmente a melhor faixa: “It Might Be Time” - existe de tudo: a referência extensa ao tempo, as variações de andamento, de textura, a lírica fortemente ancorada em tempo e em inevitabilidades expostas (“It might be time to face it/ You may as well embrace it”).
Sobre “Glimmer” há a referir a sua faceta definitivamente eletrónica em forma de interlúdio, um pouco como “Disciples” em Currents. O culminar de um álbum definitivamente temporal, pede “One More Hour”, em 7 minutos puramente dramáticos inicialmente, em suspense dramático sintético (“As long as I can, long as I can”), para todo um desfecho em simples fade-out; em que ficamos?
Questões subjetivas sobre a nova direção (da banda originalmente psicadélica) aparte, está-se perante o trabalho mais cuidado dos Tame Impala. Aquele em que os detalhes não foram só colocados nos locais certos, mas também retirados, limados, concertados, observados e recolocados milimetricamente no local original, pela bigger picture. O que falta saber? Como funcionará um álbum que vive muito de ambiente e camadas sonoras, nas muitas vezes injustas salas de espetáculo ou em desabrigados palcos ao ar livre, onde tudo se dispersa tão facilmente, da onda sonora à atenção de quem está frente ao palco. Veremos… Ou melhor, ouviremos.