Tudo pesado, 2020 tem-se revelado um ano negro. É especialmente devido a este negrume que os pequenos triunfos tendem a reluzir com mais força. No meio do marasmo da pandemia, de extremismos disto e daquilo, do medo, da incerteza e da falta de informação, vamos sendo entorpecidos e esquecemos o sabor daquilo que vale a pena. Felizmente, o colectivo alemão The Ocean investiu-se de autoridade para nos guiar novamente para a luz, para fora da apatia, directamente para a vontade de gritar e chorar com (e por) algo que nos toca fundo. Com um intervalo de dois anos desde o seu antecessor, Phanerozoic II: Mesozoic | Cenozoic (25 de Setembro de 2020, via Metal Blade Records) é tudo o que se podia esperar e mais. A segunda metade da colectânea que se propôs a narrar 500 milhões de anos de evolução geológica da Terra inicia-se, desta vez, no período jurássico e estende-se até aos dias de hoje.
A aula começa com “Triassic”, a ponte para o anterior álbum, historicamente a maior extinção alguma vez ocorrida no planeta. Este período é pautado pela ausência de vida (que Robin Staps sabiamente orquestra com motivos guitarrísticos a lembrar os desertos do médio oriente), consequência de um aquecimento global só comparável aos níveis da atualidade, propiciando reflexões e advertências na lírica.
Milhões de anos depois entramos no período cujo nome mais desperta o imaginário do ouvinte. Dinossauros! Contando com a presença do já “da casa” Jonas Renkse (Katatonia), o tema tem o refrão mais poderoso do disco: “We are just like reptiles / Giant rulers of the world / Within the blink of an eye / Wiped off the face of the earth”. Se até agora a bateria de Paul Seidel parecia estar noutro nível, aqui confirmamos que está mesmo.
Deixamos Mesozoic com nova extinção em massa, emancipando-nos do poderio reptiliano e deixando a porta aberta à hegemonia dos mamíferos. A primeira faixa de Cenozoic é avassaladora: “Palaeocene” conta com o gutural de Tomas Liljedahl (ex-Breach) e a entrada é com toda a força. O convidado é já recorrente, mas desta vez foi mesmo responsável por escrever a letra, versando sobre como reagir ao metafórico impacto de um cometa destruidor (metafórico, ou nem tanto, dado o cometa pandémico actual).
Seguem-se “Eocene” e os seus compassos complexos, a instrumental “Oligocene”, funcionando em termos históricos como um importante período de transição ecossistémica, e “Miocene | Pliocene”, onde Loïc Rossetti nos mostra o que é ser uma das melhores vozes do metal da actualidade, do gutural extremo e grosso ao vibrato límpido e às inflexões inesperadas (é mesmo possível sentir algo de Deftones nesta faixa).
Com “Pleistocene” a ideia é gelo, é glaciar, é frio. Com um terço da superfície terrestre coberta de branco, é curiosamente este o período que vê os primeiros passos firmes da espécie humana. Musicalmente, o blast beat final é algo de portentoso e não muito frequente nos trabalhos mais recentes da banda.
O disco termina com “Holocene”, a actualidade, o futuro. Em termos líricos é uma premonição, um aviso, um uivo de desalento. O tema flui calmamente e podia ser facilmente infiltrado num outro disco de sonoridades não tão pesadas. A dança entre instrumental e voz é particularmente bem feita, demonstração da mestria de Robin Staps.
Nunca esquecendo o inviolável Pelagial, com Phanerozoic II o colectivo alemão produz um trio quase perfeito, e Robin Staps finda o sonho de contar, através da música que só lhe pode nascer de transe em sonhos, a história de 4500 milhões de anos do nosso planeta. Em termos conceituais, a porta criativa está completamente aberta e tudo podemos esperar. No que toca à qualidade sonora não é bem assim: não podemos esperar que este grupo alguma vez produza algo aquém de excelente.