Se alguém entre nós vivenciava até hoje uma irremediável comichão por campanasdos mais variados timbres, solos de guitarra com tensões palpáveis de thrash metal, riffs e linhas de baixo instantaneamente memoráveis, batidas de compleição latina contagiantes e umas quantas influências de R&B segmentadas aqui e ali – tudo preservado numa revisada e, em muitas instâncias, vanguardista fórmula de hardcore punk –, considerem essa ânsia finalmente resoluta, porque o terceiro e mais recente álbum de estúdio dos Turnstile chegou para satisfazer todos esses nichos e muitos outros. Capaz de restituir uns bons anos de juventude a quem tiver o prazer de o escutar, GLOW ON, com o selo da enorme Roadrunner Records, marca uma passada monumental e algo inesperada no desenvolvimento da identidade da banda, mas mais ainda quanto à abertura de novas possibilidades, algumas delas até aqui impensáveis, numa cultura sónica que muitas vezes sente dificuldade em sair da sua zona de conforto.
Num género caracteristicamente duro e em que subtilezas e delicadezas não desempenham o mais fundamental dos papéis, se é que o desempenham de todo, os Turnstile apresentam aqui um trabalho que, não desformatando por completo as estruturas composicionais pelas quais o hardcore se tem vindo a reger, tira proveito do seu carácter incessantemente energético para o adaptar a algo mais acolhedor e aprazível. É dessa mentalidade que surgem faixas na veia de “Mystery” ou “Holiday”, que apesar do seu vigor, dispõem os seus refrões de modo airosamente alegre, contrastando-os com o poderio das instrumentações voláteis que até lá nos conduzem.
O processo criativo da banda, onde geralmente predomina a canção curta e célere, não dispensa muito tempo para que a banda possa apresentar e explorar cada ideia minuciosamente. Mas, contra todas as probabilidades, o grupo não só consegue expor estas mesmas ideias – todas elas refrescantes, orgânicas e distintas – num curto espaço de tempo, como ainda as adorna com uma variada palete de géneros sem que nenhum deles se sinta desproporcional no seguimento temático do álbum. O início de “Don’t Play” não é nada menos que frenético, coagmentando o espalhafato assertivo da bateria com a tensa vibração das guitarras e do baixo. Mas o que é que proíbe que, uns segundos adentro, a corrente desague numa conjunção de batidas hardcore funk acompanhadas pela génese melódica de um piano? E, já que aqui estamos, o que é que impede “New Heart Design” de seguir uma perspetiva modernizada de algo reminiscente dos anos 80, ou “Underwater Boi” de fazer uma vénia às formalidades do shoegaze?
Os Turnstile não se ficam pelos hipotéticos, e à medida que cada faixa se desenrola e eventualmente dá o seu lugar à próxima, também nós vamos apreciando a crescente e inabalável resiliência que tem vindo a forjar este grupo. Apesar disso, e se relembrarmos que o grupo deu os seus primeiros passos na cena underground, não é de espantar que o álbum inclua uma porção recheada de faixas menos simpáticas como “Blackout”, “Wild Wrld” e “T.L.C.”, que favorecem aquele tom de raiva saudável que tão bem caracteriza os discos anteriores da banda.
No final de contas, GLOW ON não é apenas uma questão de fornecer uma experiência diversificada onde se aglomera uma boa dose de traços e feitios de várias culturas, mas também a questão de se lhes justificar o uso ao longo do álbum. E, felizmente, tal uso não só é completamente justificado, como absolutamente vital e irrevogável para que tudo funcione. Podemos afirmar com segurança que não estamos simplesmente perante uma das experiências mais memoráveis do ano; estamos, sim, perante um disco com uma visão à frente do seu tempo.