Estes belgas têm sido uma surpresa agradável desde o estreante WLVNNST, composto com a ajuda de Albin e Marthynna dos Der Blutharsch, na escrita. Comprimindo uma visão rica em cor, desenvolvimento, progressão e a vibe dos nostálgicos anos 70, serve a descrição da banda que esta tenta uma dinâmica bem conseguida entre o krautrock e o black metal norueguês. A combinação é estimulante, mas o que eleva o som a um patamar mesmo muito curioso, é o contexto doom/occult rock da sonoridade. O álbum tem grandes malhas e há poucos projetos, senão nenhum, que se apresentam como eles. A germânica Ván é o novo meio pelo qual a banda transmite a sua visão, mas com tão pouco para contextualizar, esta acaba por ser a melhor oportunidade para conhecer a banda belga. Constituída por uma variedade de músicos, oriundos de atuações diferentes, é justo dizer que estes até se têm dado bem com os resultados. Tendo já passado pelo Desertfest belga em 2016, a banda já se pôde exibir no Roadburn do ano passado, bem como já abriu para Electric Wizard, The Ruins Of Beverast e muitos mais. Só este ano, a banda estará no festival Chaos Descends e entrará em tour europeia com os canadianos Wolves In The Throne Room.
Será VOID a causa deste alarido todo? Vejamos. À primeira passagem, o álbum parece um sonho. Ultrapassando uma hora de música, a produção é a primeira coisa que surge em mente. Cristalina. Nota-se uma intenção acrescida para que as tonalidades e a simbiose entre as cordas, teclas e voz estejam o mais aprimoradas possível. Já se sabe pelos concertos da banda que, coexiste na música uma conotação cinemática muito surreal, ao que o coletivo faz e bem, o melhor para cunhar um som, que muito parece retirado dos filmes de Romero e Carpenter.
Para que haja uma mood bem definida, tem de haver repetição. Loops, uma melodia que convença e que fique na cabeça como uma ferida que não cicatriza. Momentos destes são intermináveis. Um deles surge na title-track “The Void” que deambula um labirinto de fobias e gravita a atenção do ouvinte como uma queda livre num abismo em espiral. A banda é claramente obcecada na estética, e esta faixa é um exemplo disso. As influências aquando o discurso de Shazzula roçam na tonalidade passivo-agressivo de que Rozz Williams (Christian Death) tanto era conhecido. A lentidão do ritmo e a permanência vagarosa, como se vê em grande plano no álbum, destaca um sustain incrível no desenvolvimento da dita mood. A banda também sabe dinamizar e demonstra-se mais do que confortável em nadar sob vários estándares sónicos. Tendo em conta que “L’Heure Noire” é a faixa mais pesada do álbum, é nela que encontramos a bem medida descarga de energia em forma de blast-beats e riffs de relâmpago. A produção sufoca com temida claustrofobia mas os riffs gélidos criam um contraste brutal de cores e textura. É dura, impiedosa e assertiva, como um carrasco ou um cancro impetuoso. O coro de timbre barítono ganha o pódio bem no centro, perante uma atmosfera que marca a entrada da peste, guerra, fome e morte.
É evidente até aqui que a repetição é estratégica. Quando os belgas apanham um riff bem desenhado, esmifram-no até dizer chega, mas verdade é que nunca deixa sensação de overstaying its welcome. Construir blocos massivos de som, simples mas determinados, sem consequentemente criar essa sensação, é mais do que motivo de celebração. A closer “La Mort” vive claramente disso. Dezassete minutos, atmosférico, repetitivos e insistentes como uma vertigem. Tão refrescante quanto pesado, e fechando o álbum assim, só há mais pica para querer ouvir mais e mais e mais.
Por falar em querer ouvir mais, e estas duas openers? Incrivelmente viciantes. Tanto “Silure” como “Ritual Lovers”, mas especialmente a segunda, são brutalmente catchy. Muita emoção, envolvimento e dilatação. A isto se chama boa escrita. Já mencionado acima, mas é em “Ritual Lovers” que melhor se evidencia o perfeito equilíbrio entre o black e o kraut manhoso europeu. O riff arranha até dizer chega, mas a impiedosa doçura da voz de Shazzula consegue ser uma espada de duas pontas, onde a sua sensualidade pode também ser um sinal de perigo. Como uma sirene, não é? Grande highlight no solo a meio.
VOID tem tudo o que um bom álbum deve ter. Momentos de grande destaque, boa química, boas decisões e atitude de risco. Não há um único riff que farte, mesmo depois de repetido dez vezes. Importa muito prestar atenção à expansividade do som no fundo, olhar além da voz e das guitarras que estão num ápice de tom e entreajuda, e deixar navegar pelo ritmo e pela atmosfera num todo.